No programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta sexta-feira (05/11), o jornalista Breno Altman entrevistou o professor, filósofo, cientista político e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Renato Janine Ribeiro, sobre filosofia e negacionismo.
Segundo ele, o negacionismo brasileiro vem de uma tendência individualista que ganhou força após o golpe contra Dilma Rousseff e se beneficiou de falhas da esquerda. Ele reconheceu que, apesar da qualidade de vida da população ter melhorado muito com os governos petistas, faltou incutir responsabilidade social na população que se beneficiou das políticas públicas criadas por Lula e Dilma.
“Não mexemos no individualismo das pessoas. Não explicamos que educação pública não era só economia no bolso, era um bem público criado às custas de muita gente pagando imposto, de modo que era necessário ter um compromisso com a sociedade. O combate à fome gerou o discurso de que é bom comer carne, mas o governo do PT falhou em não construir uma ética coletiva. Em vez de dizer que era absurdo metade da população estar em situação de insegurança alimentar, apostou na satisfação de comer”, discorreu.
A direita, enxergando esse espaço, se utilizou da ética, de acordo com o filósofo, e de discursos como o da liberdade individual para justificar a manutenção de privilégios de alguns e de redução dos direitos de outros.
“O que não dá para saber é o que é incompetência, o que é ignorância e o que é projeto. Existe loucura ou existe método? Escolhem confundir liberdade com privilégio, o privilégio de xingar negros, desrespeitar mulheres, não se vacinar. É um ultraindividualismo”, ponderou.
Nessa mesma época, surgiram os militantes de extrema direita, algo que não havia antes, para disseminar esse individualismo: “A direita não costuma ter militantes, porque a direita tem valores mais vinculados ao capital e as pessoas estão mais interessadas em ganhar dinheiro do que falar de política. Mas após o golpe surgiu essa militância que criou uma sociabilidade de pessoas que se fortalecem reciprocamente nos seus valores. Se construiu uma certa comunidade marcada pelo ódio. O curioso é pensar o que levou as pessoas a isso”.
Como consequência, o Brasil vive um cenário em que muitas pessoas recusam-se a ser vacinadas, algo que Janine Ribeiro considerou absurdo e chegou ao ponto de dizer que deveria ser instaurado como obrigatório, passível de punição.
“Há países no mundo que você não entra sem a vacina da febre amarela, mas as pessoas não costumam reclamar disso. Do ponto de vista prático, a vacina salva vidas. E, do ponto de vista ético, ninguém tem o direito de colocar a vida do outro em risco. Se eu não quero ser vacinado porque acho que tenho essa liberdade, na verdade sou uma ameaça pública. Nós não deixaríamos uma pessoa circular por aí com um revólver. Metaforicamente é a mesma coisa”, defendeu.
Sem consciência coletiva, as pessoas não se dão conta de que a responsabilidade pela saúde individual afeta a muitos mais do que só aqueles que adoecem, “até na questão do tratamento, porque todo o mundo vai ter que pagar pelo tratamento público de alguém que contrai uma doença desnecessária, que poderia ser evitada pela vacina”.
Assim, o filósofo reforçou que acha razoável medidas punitivas, como a demissão de empregados que rejeitem a vacina: “Por que teve lockdown no Brasil? Para reduzir o número de contágios e mortes. Depois de tudo o que vivemos, vamos tolerar que uma pessoa entre no ambiente de trabalho ameaçando a vida dos outros?”.
Reprodução
Presidente da SBPC critica neofascismo e negacionismo, mas reconhece que petismo falhou no embate de valores e narrativas
Educação
Para Janine Ribeiro, indo mais além das falhas do Partido dos Trabalhadores, a reforma do Ensino Médio, por exemplo, levada a cabo durante o governo de Michel Temer, é outro grande fator responsável pelo cenário atual. Ele, que chegou a ser ministro da Educação durante o governo de Dilma Rousseff, afirmou que falta filosofia no Brasil atual para reconstruir o pensamento crítico da população e torná-la mais ética.
“Como você quer que as pessoas sejam mais éticas se não tem aula de Filosofia ou Ética no Ensino Médio? O negacionismo é o resultado de ter gente ignorante e orgulhosa de sua ignorância”, afirmou.
Defendendo o currículo de Filosofia, ele relembrou que a matéria é “muito boa para formular perguntas e melhorar a qualidade das perguntas”, mais do que oferecer respostas ou ater-se aos fatos, “o que também é essencial para a criação científica”.
Assim, o professor advogou pela educação como um valor em si mesmo de uma sociedade progressista e ressaltou que o desenho de uma nova política educacional deve ter como objetivo a redução de desigualdades.
“Antes de mais nada precisamos saciar a fome das pessoas, dar moradia decente, gerar empregos, providenciar transporte, mas um dos fatores que mais contribui diretamente para reduzir a desigualdade é a educação. E esse investimento tem que começar na creche, na faixa de zero a três anos, que determina muito o futuro das crianças”, enfatizou.