Mais do que cancelar a instalação de um escudo de defesa norte-americano na Europa Oriental, o que a administração de Barack Obama anunciou esta manhã foi um redesenho do projeto, baseado numa nova avaliação dos serviços de inteligência. Mudaram apenas o tamanho, o alcance e o posicionamento dos mísseis.
Obama herdou da administração de George W. Bush a intenção de instalar radares de controle na República Tcheca e dez plataformas de lançamento de mísseis na Polônia que interceptassem mísseis de longo alcance, procedentes de países do chamado “eixo do mal”, principalmente do Irã, que desenvolve neste momento um programa nuclear que, alega Washington, pode ter fins militares.
Segundo Obama, a decisão que tomou foi abandonar a criação de um “escudo” antimísseis e, no seu lugar, criar um “sistema de defesa mais forte e ágil para proteger os Estados Unidos e seus aliados contra toda ameaça do Irã”. Este novo sistema também estaria formado por uma rede de mísseis e a instalação de sensores de detecção antecipada de foguetes “inimigos” em voo.
Martin H. Simon Pool/EFE
“A melhor forma de promover responsavelmente nossa segurança, e a de nossos aliados, é criar um sistema de defesa antimísseis que responda melhor às ameaças que enfrentamos, com tecnologia já experimentada e de baixo custo”, explicou o presidente.
Mas segundo confirmou em coletiva de imprensa o secretário da Defesa Robert Gates, nas últimas semanas, os serviços de inteligência norte-americanos chegaram à conclusão de que a “ameaça iraniana” não provém de mísseis de longo alcance, mas sim de curto e médio.
Agora, explicou o alto funcionário da administração, “temos a possibilidade de instalar sensores e mecanismos de interceptação no norte e sul da Europa, que nos deem a capacidade de responder rapidamente às ameaças mais imediatas do Irã e outros”.
Gates não revelou pormenores deste novo plano, mas disse que os “mecanismos de interceptação” seriam instalados numa rede de barcos de guerra equipados com o sistema de radares de detecção antecipada, conhecidos como Aegis. Ou seja, plataformas flutuantes fáceis de movimentar.
Russos não se iludem
A instalação do escudo antimísseis na República Tcheca e na Polônia sempre foi visto como uma ameaça pela Rússia, que, em várias ocasiões, deu a entender que sua instalação seria um grande obstáculo nas relações entre Washington e Moscou. Esta manhã, o embaixador russo na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) reagiu com cautela.
“Seria um erro considerar que os norte-americanos cederam em suas posições. Os Estados Unidos não renunciaram à instalação de um escudo antimísseis na Europa, apenas mudaram sua forma”, afirmou o embaixador Dmitri Rogozin.
Para os russos, considerou o diplomata, Washington “apenas chegou à conclusão de que os seus interesses agora exigem um redesenho do sistema antimísseis, por isso renunciou à colocação (dos mísseis) em terceiros países, mas continua a querer uma defesa por etapas”.
“Agora já não querem instalar um radar debaixo de terra, escondido numa estrutura de cimento perto das fronteiras russas, mas sim instalar todos os sistemas do escudo em plataformas móveis que podem se deslocar por toda a região”, acrescentou Rogozin.
Em dezembro passado, o presidente russo, Dmitri Medvedev, anunciou que a Rússia estava considerando instalar mísseis seus no enclave Báltico de Kaliningrado, na fronteira com a Polônia e a Lituânia, ambos membros da Otan.
Medvedev é esperado na semana que vem nos Estados Unidos para a reunião do G20. Segundo observadores, o presidente tem intenções de pedir mais esclarecimentos a Obama sobre o novo plano do escudo antimísseis, antes de decidir como reagir.
Obama sempre disse que a Rússia não tinha razões para temer os Estados Unidos e seus mísseis.
Repercussão
A direita norte-americana criticou duramente o presidente. O ex-candidato presidencial republicano, John McCain, afirmou que o redesenho do escudo é “uma mostra de debilidade” dos Estados Unidos.
“Esta decisão questiona seriamente a segurança e os compromissos diplomáticos assumidos pelos Estados Unidos ante a Polônia e a República Tcheca e vai ser vista como um enfraquecimento substancial da liderança norte-americana na Europa Oriental”, considerou McCain, num comunicado.
Na sua opinião, “tendo em conta a seriedade e o incremento das ameaças dos programas de mísseis e nucleares dos iranianos, este era o momento no qual devíamos fortalecer as nossas defesas, e o escudo antimísseis é parte desse plano. Acredito muito firmemente que abandonar esta posição é uma decisão totalmente fora de lugar”, acrescentou.
Um dos que estão de acordo com ele é o ex-presidente polonês Lech Walesa, que disse estar “decepcionado” com Obama e preocupado pela falta de apoio da Casa Branca aos países da Europa Oriental, que se livraram do comunismo”.
Para Paul Reynolds, analista da BBC, a decisão de Obama tem várias implicações, sendo a principal o fato de enviar “um sinal importante” de que os Estados Unidos estão adotando uma política muito mais cautelosa que a administração Bush.
Além disso, “aparentemente os analistas informaram ao presidente que, pelo menos neste momento, o Irã não possui uma tecnologia suficientemente sofisticada de mísseis intercontinentais”, que represente uma ameaça para o Ocidente.
Também seria uma oportunidade de “acalmar” as preocupações russas e dar-lhes um “certo sentido de triunfo”, levando a uma melhora nas relações bilaterais, acrescentou o analista.
De qualquer modo, considerou Reynolds, o redesenho do escudo antimísseis não deixa de representar uma profunda decepção para a classe política polonesa e tcheca, que empenhou todo o seu capital político em convencer os respectivos parlamentos a aprovar a instalação do escudo.
O parlamento da Polônia já o tinha aprovado e o tcheco ia votar em outubro. “Agora já nem vale a pena”, afirmou o ministro do Exterior tcheco, Jan Kohout.
De qualquer modo, o escudo antimísseis ainda se encontrava em fase de planejamento e não seria instalado antes de 2015, segundo Robert Gates.
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