Tais “marchas sobre Roma” já haviam ocorrido diversas vezes na história da cidade, como por exemplo no ano 43, quando Otávio seguiu em direção à capital do Império Romano com o objetivo de forçar sua nomeação ao posto de cônsul.
A principal marcha da história do país, no entanto, foi conduzida pelo guerrilheiro republicano Giuseppe Garibaldi, tendo levado à unificação italiana no século 19. Foi exatamente essa marcha que serviu de inspiração para Benito Mussolini.
Em 1923, Mussolini foi imitado na Alemanha por Adolf Hitler, que tentou organizar uma marcha de Munique a Berlim, com o intuito de tomar o poder. Sua tentativa terminou, porém, poucas horas depois de ser iniciada, tendo levado o simples nome de Marcha para o Feldherrenhalle (o panteão dos heróis nacionais alemães, em Munique). Apesar do fracasso, Hitler pelo menos participou pessoalmente da marcha, o que Mussolini não podia afirmar de si próprio.
Nos anos que se sucederam à Primeira Guerra Mundial, a Itália era dominada por relações políticas tão caóticas quanto as observadas na Alemanha na mesma época, durante a República de Weimar. Nem a Alemanha nem a Itália tinham tradição democrática e, assim, foi possível que principalmente partidos políticos radicais e agitadores ideológicos de linhas políticas marginais acabassem tirando proveito da confusão geral.
Um desses agitadores da extrema direita foi Benito Mussolini, professor primário e jornalista, oriundo da região da Emilia Romana. Sem qualquer ideologia política consistente, Mussolini e seu movimento fascista logravam despertar os sentimentos de seus compatriotas, ansiosos por uma liderança e pelo ideal de grandeza em tempos de insegurança.
26 mil de prontidão
O fato de o movimento fascista não contar com bons prognósticos nas eleições democráticas não perturbava o antidemocrata Mussolini. Ele se via mais como um “homem de ações” e dava preferência de qualquer maneira a outras formas de chegar ao poder.
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picture alliance/Everett Collection
Marcha sobre Roma foi “liderada” por Benito Mussolini
No dia 16 de outubro de 1922, Mussolini delegou a seus adeptos de Vecchi, de Bono, Balbo e Bianchi a tarefa de atacar Roma quando ele ordenasse. Para isso, Mussolini colocou à disposição dos quatro comandantes 26 mil combatentes, que ficaram em prontidão diante da cidade.
Mussolini ameaçou então o rei – que governava sob um regime constitucional – de fazer uso de meios militares, caso suas exigências não fossem cumpridas. No dia 24 de outubro de 1922, Mussolini anunciou: “Ou o governo é transferido para nossas mãos, ou nós tomamos o poder através de um ataque a Roma. Isso é agora uma questão de dias, talvez de horas”.
De Roma não houve, de início, nenhuma resposta. O governo, que se reuniu pela última vez no dia 28 de outubro, estava ainda decidido a resistir às ameaças. Incumbido de defender Roma, o general Pugliese negou-se, no entanto, a seguir as ordens do rei. No mesmo dia, o rei Vittorio Emanuele dissolveu o governo e delegou ao liberal de direita Salanda a formação de um novo gabinete. As expectativas do rei eram de que Salanda convocasse Mussolini para fazer parte de seu governo e evitasse, com isso, o golpe de Estado.
De Milão, Mussolini comunicou ao rei não estar de forma alguma disposto a participar de um governo liberal. O desprezo do líder fascista pelo liberalismo pode ser constatado em seu texto Poder e Adesão: “Para a destemida, inquieta e crua juventude, há outras palavras que exercem uma fascinação muito maior, e estas são ordem, hierarquia e disciplina. Esse pobre liberalismo italiano, que suspira e luta por uma liberdade maior, é de certa forma tardio. O fascismo não se acanha hoje de autodenominar-se não-liberal e antiliberal”.
Mussolini foi de trem
A rejeição de sua proposta por Mussolini e a ameaça que ainda pairava no ar de que tropas fascistas pudessem marchar sobre Roma fizeram com que o rei cedesse. No dia 29 de outubro de 1922, Vittorio Emanuele convocou Benito Mussolini a formar um governo fascista. Nos dois dias que se seguiram, os homens de prontidão foram postos em marcha para Roma, onde chegaram sob chuvas torrenciais. O duce só tomou um trem em Milão, com destino a Roma, na noite de 29 de outubro. Ele chegou confortavelmente, descansado e seco à capital italiana na manhã do dia 30.
A Marcha sobre Roma e suas circunstâncias foram polêmicas, mas ela pôde ser muito utilizada pelo governo fascista como propaganda. Mussolini ocultou da opinião pública que, para ele, a marcha só começara na noite de 29 de outubro, dentro de um confortável vagão-leito. Ao contrário, Mussolini falou seguidas vezes da sua “revolução italiana”, afirmando que três mil “mártires” haviam sido mortos durante um conflito que na verdade nunca aconteceu.
Num aspecto, o departamento de propaganda do governo fascista falhou por completo. A tentativa de implantar um novo calendário na Itália foi fadada ao fracasso. Nesse calendário, estava planejado colocar “o primeiro dia do ano zero” como o dia em que a Marcha sobre Roma teria supostamente ocorrido: 28 de outubro de 1922.