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No sucesso de público Um Conto Chinês, personagem de Ricardo Darín lembra traumas da guerra; mas assim como em A Dama de Ferro, Mavinas são coadjuvantes
Três décadas depois do início da Guerra das Malvinas, sente-se que o cinema ainda não deu conta de abordar esse que foi o primeiro conflito armado a alcançar maior repercussão na América Latina depois da Segunda Guerra. Esse sentimento é mais forte do lado argentino – onde parecem haver as feridas mais profundas – do que do britânico. Mas que não exista um filme “definitivo” sobre essa disputa, que hoje volta a estampar jornais do mundo todo graças aos esforços da Argentina para retomar a discussão em torno da soberania do território, não significa que não haja uma variedade de relatos à disposição dos interessados. É mais um sinal de que, contida pela vida, a arte não há de explicar o que ainda pulsa.
Dois longas-metragens recentes, ambos realizados em 2011 e repercutidos internacionalmente, reacendem o tema das Malvinas nas telas. O mais humilde, ainda que considerado um sucesso do cinema latino-americano, é o argentino Um Conto Chinês, de Sebastián Borensztein, a produção nacional de maior bilheteria na Argentina em 2011, com 910 mil espectadores.
Protagonizado pela maior estrela local, o ator Ricardo Darín, o filme conta a história de um veterano da guerra, solitário e hermético, que se vê obrigado a rever seus hábitos ao se sensibilizar com um chinês que chega a Buenos Aires depois da morte trágica da noiva e sem falar uma palavra de espanhol.
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Depois vem A Dama de Ferro, uma coprodução entre Inglaterra e França na qual Meryl Streep interpreta a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, cuja decisão de entrar em guerra contra a Argentina lhe rendeu, além de uma reeleição, a fama de líder durona. A história, de caráter biográfico, passa rapidamente pela Malvinas e deu a Streep seu segundo Oscar de melhor atriz, depois de reunir 17 indicações ao prêmio ao longo de sua carreira.
Mas esses exemplos passam longe do que pode ser considerado um filme de guerra. Neste sentido, nenhuma obra supera ainda a importância da produção argentina Iluminados Pelo Fogo (2005), de Tristán Bauer. Inspirado em um livro de memórias de mesmo título, escrito pelo ex-combatente e jornalista Edgardo Esteban, o filme conta a história de três soldados: um que morreu em batalha, outro que suicidou depois do fim do conflito e o terceiro que vai ao encontro do ex-companheiro e, com isso, revive duras memórias.
A questão do suicídio tratada neste filme é central para entender qualquer guerra, em especial a das Malvinas, cujo número de suicidados é gritante. Segundo a própria presidente Cristina Kirchner, que lida com os protestos de ex-combatentes, “mais de 400 argentinos e 264 britânicos se suicidaram”, o que representa mais mortos por suicídio do que por combate, se excluídos os dois navios afundados durante a guerra (o Belgrano, com a morte de 500 argentinos, e HMS Coventry, com 300 britânicos).
Cinema argentino
Do lado da Argentina, o primeiro longa-metragem feito sobre as Malvinas é Los Chicos de La Guerra, drama dirigido por Bebe Kamín em 1984, só dois anos depois do início do conflito. Nele, uma adaptação literária do romance de Daniel Kon, três jovens de diferentes classes sociais são convocados, sem maior preparo, a lutar. Depois, se vêem obrigados a lidar com as penúrias que viveram em combate, como de fato aconteceu com muitos solados na vida real.
Na outra ponta, mais burlesca, está o experimental Fuckland (em deboche ao nome inglês das ilhas, Falkland), de 2000, no qual um argentino chega às Malvinas para reconquistá-las. Seu plano é espalhar sêmen argentino, estando com o maior número de nativas possível, na intenção de engravidá-las e de criar uma nova geração de argentinos, que liderariam uma revolução local. É considerado o primeiro filme argentino a ser realizado segundo os mandamentos do Dogma 95 e com uma equipe que gravou clandestinamente nas ilhas.
Entre um e outro, várias histórias foram contadas, mas nenhuma amplamente difundida.
Do grupo dos documentários (para cinema ou TV) que recolhem testemunhos de ex-combatentes, familiares dos envolvidos e personalidades que tratam de explicar a guerra fazem parte títulos como Malvinas, Historia de Traiciones (1984), de Jorge Denti, Malvinas, Me Deben Tres (1992), codirigida por sete cineastas, Hundan al Belgrano (1996), de Federico Urioste, e Locos de La Bandera (2004), de Julio Cardoso.
Mais raros são os feitos sob o calor da hora, como Malvinas, Alerta Roja (1985), de Eduardo Rotondo, um cinegrafista encarregado por jornais internacionais de cobrir o conflito, que reuniu entrevistas com os protagonistas do conflito e filmagens de combates. E realmente escassos são os filmes que oferecem um olhar na contramão do exacerbado nacionalismo argentino em relação ao tema, como é o caso de Tan Cerca, Tan Lejos, feito para a televisão pela jovem documentarista Tamara Florin.
Entre as ficções que exploram ângulos diferentes para se referir à guerra, destacam-se La Deuda Interna (1988), de Miguel Pereira, El visitante (1999), de Javier Oliveira com atuação de Julio Chávez, Desobediência debida (2008), de Victoria Reale, La campana (2010), de Fredy Torres, e El mismo amor, la misma lluvia, do oscarizado Juan José Campanella. E não faltam os curta-metragens, como Nuestras Islas Malvinas, relato feito em 1966 pelo documentarista Raymundo Gleyzer, desaparecido durante a ditadura militar, e a comédia Guarisove, los olvidados (1995), de Bruno Stagnaro, que formou parte da coletânea Histórias Breves, marco da retomada do cinema argentino no final da década de 90, entre tantos outros.
Cinema britânico
Os ingleses também levaram seus traumas da guerra para as telas do cinema, ainda que com sangue mais frio. A exceção seja talvez uma série de documentários feitos pela BBC sobre a recuperação de Simon Weston, um soldado inglês que sofreu sérias queimaduras e feridas em combate. O primeiro deles, lançado em 1983, chamou-se Simon’s War.
Mas tiveram mais repercussão filmes como Resurrected (1989), primeiro longa de Paul Greengrass (“Ultimato Bourne”), que conta a história de um soldado inglês que ficou vagando pelas ilhas por sete semanas depois da guerra. Ou então Tumbledown (1988), de Richard Broke, que traz Colin Firth no papel de um soldado que questiona a coroa e o Exército ingleses ao retornar semi-inválido para casa.
Falando de novidades, há duas estreias em vista. A primeira é Destroyer, de Tom Shankland, que abordará o afundamento do navio britânico HMS Conventry durante a guerra, com base no livro Four weeks in May, publicado em 2007 pelo capitão do Coventry, David Hart Dyke. E logo vem 51 Degrees South, projeto de um norte-americano e um inglês que prometem filmar a história “jamais contada dos habitantes dessas conturbadas ilhas”. A produção da dupla deve começar em junho deste ano, aproveitando o 30o aniversário da guerra.
Cinema local
Com 3.000 habitantes locais, os chamados “kelpers”, as Ilhas Malvinas não contam com produção cinematográfica original e tampouco são cenário de histórias não relacionadas à guerra que tanto marca seu território. A capital Puerto Argentino, mais conhecida por seu nome inglês, Stanley, não tem salas de cinema. Há apenas uma opção, que fica dentro da base militar de Mount Pleasant, pertence ao Exército britânico e fica a mais de uma hora de viagem de carro desde a capital.
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