Sou santista fanático, mas a vitória do meu time por 2 a 0 sobre o Grêmio nesta quinta-feira (28/08), pela Copa do Brasil, foi uma das mais amargas que já assisti. Fundamental para as pretensões do Santos na atual temporada, de ao menos se classificar para a Copa Libertadores da América de 2015, o triunfo em Porto Alegre foi ofuscado pelas ofensas racistas ao goleiro Aranha. “Macaco” e “preto fedido” foram algumas das expressões gritadas por uma parcela da torcida gremista ao atleta.
Após a partida, jogadores, técnicos, dirigentes e comentaristas esportivos analisaram o caso. “Isso não é exclusividade do Brasil, também acontece na Europa.” Sim, casos de racismo em campos de futebol têm acontecido em todo o mundo. Na Itália, na Espanha, na Rússia…
Nos Estados Unidos, por exemplo, o bilionário Donald Sterling, então proprietário do time de basquete Los Angeles Clippers, foi banido da NBA e precisou pagar multa de US$ 2,5 milhões após o vazamento de uma gravação telefônica em que ofendia os negros. O caso Sterling evidencia que os EUA ainda estão longe de resolver o problema da desigualdade racial. Prova disso é que, nas últimas semanas, o país assistiu a uma série de protestos depois que um policial matou a tiros o jovem negro Michael Brown. Hoje, o número de negros presos em território norte-americano é maior do que era o de escravos no século XIX.
Santos FC/Divulgação
Aranha já fez Boletim de Ocorrência em uma delegacia de Porto Alegre
No Brasil o cenário não é muito diferente. O índice de mortalidade de negros é três vezes maior que o de brancos, conforme mostrou pesquisa do Gevac (Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos) da UFSCar (Faculdade Federal de São Carlos) . Entre 2009 e 2011, 61% dos mortos por operações policiais eram negros no Estado de São Paulo.
Contudo, mais real do que os números, é a intolerância percebida no dia-a-dia em nossa sociedade. Ela não acontece somente contra negros, mas também contra as consideradas “minorias”: mulheres, homossexuais e idosos, por exemplo. Pior: é recorrente. Quem nunca viu um homem perder a paciência com uma motorista mulher e xingá-la com ataques sexistas?
Mesmo sendo o último país do continente americano a abolir a escravidão, o Brasil acabou oficialmente com essa barbárie em 1888. Quase 126 anos depois, ainda há pessoas que nascem acreditando ser melhores pela cor de pele. Nada me dá mais asco.
Voltando à partida de ontem, a diretoria do Grêmio se comprometeu a identificar os torcedores racistas. Com isso, o clube gaúcho poderá se livrar de eventuais punições. O Santos, por sua vez, prometeu se empenhar no caso “até o final”.
NULL
NULL
Tenho 27 anos e vou à Vila Belmiro há 24. Jamais presenciei qualquer ofensa racista, talvez por sorte, já que, infelizmente, é de se esperar que criminosos desse tipo existam em qualquer torcida. A única vez que vi a cor de pele sendo usada como xingamento nos arredores do estádio santista foi ainda na década de 1990. Em meio a acalorada discussão, um conhecido apresentador de uma televisão local, com uma garrafa de vidro na mão, disse para seu oponente: “você é puto. E preto”.
Não por caso, esse mesmo jornalista brada, a cada eleição presidencial no clube, que “o Santos é de Santos”. O Santos é a casa do maior jogador da história do futebol mundial, Pelé. Nenhum clube melhor que o Santos, com seu eterno ídolo negro, para dar início a uma campanha efetiva contra o racismo em nossos estádios.
Ou melhor, que acabe com o racismo no futebol mundial, porque, neste aspecto, o mundo todo ainda vive sob uma lógica do século 19.
(*) Vitor Sion é editor de Opera Mundi e autor de “É TRI” e “3X TRI – De Pelé a Neymar, a supremacia do Alvinegro Praiano no Campeonato Paulista”