Nesta semana decidi responder a uma pesquisa a distância, centralizada na Universidade de Maryland, Estados Unidos, sobre a covid-19. Depois das inevitáveis perguntas sobre sintomas, cuidados e procedimentos surgiu uma inesperada: Você sentiu ou sente medo do vírus?
Sim, eu senti e sinto. E marquei a opção. Para logo depois me pegar pensando a respeito. Inescapável lembrar que Hollywood, essa fantástica fábrica de adaptação mental ao que ainda não vivemos (guerras, massacres, mega desastres ambientais) vem ensinando há décadas que só idiotas não sentem medo.
Claro que a fábrica de sonhos – e atualmente, de pesadelos – segue ensinando que sem medo não há coragem e sem essa não há a contribuição do herói. Mas, neste caso, em que consistiria exatamente a coragem? E o quê, mesmo abdicando da promessa de heroísmo pessoal, poderia, cada um de nós, fazer?
O que fazer sabendo que que bebês prematuros de Manaus tem que ser deslocados para outros estados porque falta… oxigênio? Que os doentes de uma cidade inteira estão sem poder respirar?
Você, leitor ou leitora, não sentiu medo de algo parecido ocorra a você ou a alguém querido? Não? Então experimente o seguinte. Volte ao início desta coluna e prenda a respiração até terminar de lê-la. Não se preocupe. Não leva, em média, mais do que 2 minutos e meio. Muito menos do que um ser humano saudável pode ficar em apneia. Agora tente imaginar essa sensação durante duas horas numa fila de espera. Isso é, hoje, Manaus.
E amanhã poderá ser qualquer outra cidade. Porque os governos (dos estados, federal) não conseguiram evitar a subida espantosa da contaminação. Porque não se tem um planejamento coordenado de nada, da prevenção, da vacinação, do suprimento de oxigênio ou mesmo de seringas.
Porque o presidente aloprado e o general abobado insistem na cloroquina quando as pessoas não conseguem respirar.
Porque depois de celebrar como vitória pessoal (Lembra, leitor, do: “O Jair ganhou mais uma”?) as dificuldades da CoronaVac, o celerado agora exige que o Butantan entregue toda a produção ao governo federal, só para evitar a planejada foto do Dória com o primeiro vacinado.
Porque os especialistas em logística que acham que Manaus fica acima do Equador, conseguiram adesivar um avião, mas esqueceram de perguntar ao governo indiano se havia alguma vacina para buscar.
Porque em duas ou três semanas, mantida a média atual, terá morrido de forma estúpida e desnecessária o equivalente a uma São Carlos inteira.
A pesquisa de Maryland só esqueceu de perguntar se eu sentia raiva, muita raiva.
Márcio James/Amazônia Real