O acesso disseminado a canais públicos de comunicação fez com que certo tipo de gente “entendesse” liberdade de expressão e opinião como direito a ofender, humilhar, caluniar, ameaçar e mentir impunemente. Mas é preciso esclarecer que isso decorre da ignorância: confundir liberdade de expressão e opinião com falar “o que quiser”.
A violência da ignorância precipitadamente, julgando-se esperta, pensa encontrar espaço e argumento dentro do território que ataca e pretende destruir porque lhe é oposto: o espaço da democracia e do direito.
É essa a hipocrisia do pensamento autoritário: tentar se valer dos argumentos da sociedade de direito e do livre pensamento para destruí-la.
Pois o que o “pensamento autoritário” ignora é justamente que a expressão “pensamento autoritário” é uma contradição entre termos: isso sequer é pensamento. Toda forma do fascismo – ou do pensamento autoritário – revelam-se como a face mais violenta da ignorância.
Pois a liberdade de pensamento e expressão é limitada pelo respeito à dignidade humana. O que viola a dignidade humana é “apenas” isso: violência.
Por esse motivo, um empregador não tem o “direito” de dizer “o que quiser” para um funcionário: dependendo do que diga comete assédio moral.
Por esse motivo, em nome de uma “conquista amorosa” não se pode dizer ou fazer o que se queira: isso poderá configurar assédio e importunação sexual.
Por esse motivo, você não poderá dizer em público o que decidiu pensar que “sejam” seus desafetos, sejam vizinhos, rivais ou colegas de trabalho: poderá estar cometendo calúnia e difamação.
Em qualquer um desses casos, a palavra foi tomada para cometer um crime contra a dignidade e a integridade de alguém. Isso não é liberdade de expressão. São formas graves da violência, cometidas com palavras e capazes de incitar também a violência física.
O direito à palavra, não é um direito absoluto nesse sentido.
Palavras podem ser veículos de violência, ameaça, degradação. Podem ser usadas como armas que ferem profundamente a dignidade humana, ou dissolvem as condições necessárias para o convívio pacífico das diferenças. Tomadas dessa forma e com este fim elas podem – e devem – ser contidas e punidas.
O deputado Daniel Silveira recorre à mesma constituição, que ele considera um lixo, para cometer suas palavras-crime. Trata-se do chamado Estatuto dos Congressistas, arts. 53 a 56 da Constituição, que trazem uma série de normas como objetivo de regulamentar as prerrogativas e vedações estendidas aos senadores e deputados federais: “(i) imunidade material, que consiste na inviolabilidade civil e penal em decorrência de opiniões, palavras e votos exarados no exercício do mandato ou em função deste, e, ainda, (ii) a imunidade formal ou processual, que diz respeito à impossibilidade de, a partir da expedição do diploma, não serem – ou permanecerem – presos”.
Baseado no direito que lhe garante a Constituição, o deputado federal dirige-se aos seus eleitores pedindo que fiquem tranquilos, pois passará “apenas a noite na cadeia” e que tal prisão é “motivo de orgulho”.
De fato, em respeito à independência dos três Poderes, a prisão precisa ser julgada pelo plenário da Câmara. São os próprios deputados que deverão julgar se acaso houve, por parte do Supremo Tribunal Federal, interferência no livre exercício do poder legislativo.
Então, o que o plenário deverá considerar é se o deputado fez uso da palavra no seu livre exercício de pensamento e expressão ou se tomou posse dela para incitar violência física, vilipendiar a dignidade humana e, pior, do ponto de vista público e político: desacatar a democracia.
Vamos torcer para que a Câmara decida em favor do valor maior que representa: a Democracia. E não de quem dela tenta se aproveitar para destruí-la.
Câmara dos Deputados
Deputado Daniel Silveira recorre à mesma constituição, que ele considera um lixo, para cometer suas palavras-crime