O tema da aposentadoria compulsória dos servidores públicos está em pauta, em distintos âmbitos, nas últimas semanas.
É bom lembrar que, enquanto a disputa da aposentadoria geral passa por argumentos e embates que se apoiam na demografia e na economia, a aposentadoria compulsória dos servidores públicos é um questão essencialmente política.
Na aposentadoria geral, discute-se tempo de contribuição e idade mínima para que o cidadão a usufrua, e na do servidor discute-se a idade máxima a partir da qual ele, compulsoriamente, se afastará.
Na política nacional segue a tentativa de intimidar o STF com a proposta de Emenda Constitucional da deputada bolsonarista Bia Kicis, do PSL, para reduzir, dos atuais 75 para 70 anos, a idade da aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo.
Se aprovada, isso significaria o encerramento do mandato de Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, hoje com 73 anos, e a possibilidade de Bolsonaro emplacar mais três ministros (somando com a indicação de André Monteiro, ainda parada no Senado) no seu mandato.
Num movimento só aparentemente contraditório, Lira tenta emplacar a subida de 65 para 70 anos do limite de idade para indicação as tribunais. Se parece confuso, talvez ajude lembrar que Judiciário e “justiça” estão muito mais distantes do que supõe o senso comum.
O limite da compulsória era de 70 anos até maio de 2015, quando, meros cinco meses após o início do contestado segundo mandato de Dilma Rousseff, o Congresso o aumentou para os atuais 75 anos. O objetivo, que nem se tentou disfarçar, era impedir que na eventualidade do mandado seguir, Dilma pudesse indicar novos membros do Supremo.
Pode-se objetar que, dada a qualidade das indicações anteriores, isso nem seria necessário, mas esse não é nosso tema aqui.
Wikicommons
Bolsonarista Bia Kicis, do PSL, propôs reduzir a idade de aposentadoria compulsória dos ministros do STF de 75 para 70 anos
Na sequência, José Serra propôs lei complementar estendendo esse limite ao conjunto de servidores públicos federais, estaduais e municipais. O veto de Dilma à medida foi derrubado pelo Congresso, e a LC promulgada em 4 de dezembro de 2015.
Assim vários servidores públicos na iminência de se aposentarem aos 70 tiveram a possibilidade de permanecer, quando o desejaram, até completar os 75 anos. Mas os que iriam completá-los durante eventuais mandatos passaram a enfrentar enorme insegurança jurídica.
Foi o caso da profa. Marilza Rudge, vice-reitora da UNESP, que, em 2015, enfrentando ação civil pública promovida pela Associação de Docentes, acabou por pedir demissão ante o possibilidade de que todos os atos administrativos praticados após completar a idade limite fossem anulados.
É um risco que também se corre na USP, em que uma candidata a vice-reitora completará a idade limite a menos da metade de seu mandato.
Abertamente consultada sobre isso, a chapa poderia, com razão, argumentar que há insegurança jurídica a respeito e que, como em muitos temas, há várias possibilidades de interpretação.
Preferiu, entretanto, tergiversar, afirmando que haveria decisão posterior do Supremo garantindo o direito de permanecer até o término do mandato, o que não é verdade. Depois vendeu a ideia de que reitor é cargo comissionado, o que beira o ridículo. Afinal, pela voz de um renomado jornalista, afirmou que o questionamento só foi feito por se tratar de uma mulher.
Como no caso do limite de idade para a aposentadoria compulsória a legislação não estabelece distinção de gênero, cabe perguntar se esse conjunto de tergiversações foi apenas real polítik ou teve mais daquilo que normalmente a acompanha.
* Carlos Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP de São Carlos.