Com 5% de aprovação dos cidadãos e acusada de uma comprovada corrupção, a viagem poderia ter destino semelhante à tragédia do ridículo. Uma presidente que exerce a sua função completamente subordinada ao “Congresso dos criminosos” e incompetente para assumir o papel de chefe de Estado, gera mais dúvidas do que certezas sobre a conveniência nacional da viagem.
Na gíria popular, “viagem à China” significa uma viagem enfadonha. Tudo indica que a viagem de Dina Boluarte à China (20 a 30 de junho) terá estas características. Reunir-se formalmente com Xi Jinping sem agenda própria e visitar as metrópoles de Shenzhen, Xangai e Pequim parece deslumbrar a presidente peruana. O “Congresso dos criminosos” sabe que a autorização concedida é uma espécie de bonificação corrupta para aqueles que preferiram submeter-se à ditadura parlamentar da extrema-direita. Eles sabem que Boluarte não tem a menor possibilidade de mudar ou ajustar a agenda de Xi Jin Ping no Peru e, muito menos, os seus objetivos em relação ao megaporto de Chancay.
Uma presidente com 5% de aprovação dos cidadãos, inferior ao corrupto Fujimori (9%), acusada de corrupção comprovada e incompetência para ocupar cargos, não tem autoridade moral ou política para sustentar um diálogo plausível ao nível em que a geopolítica global é a agenda central dos líderes do planeta. Seu interlocutor, o presidente chinês, manterá a educação e sem muito esforço colocará o Peru na lista dos países que, quase com orgulho canino, escalam a Nova Rota da Seda.
Talvez esse seja o passo anterior para que o Peru encontre o caminho com destino às grandes ligas nas quais se configuram cenários globais com novas relações de poder mundial. O megaporto de Chancay poderia ser um poderoso ponto de apoio nesse objetivo.
O que está em jogo com o megaporto de Chancay?
- O megaporto é um poderoso gatilho de negócios que prevê grandes investimentos no Peru que, estima-se, gerarão 4.5 bilhões de dólares de renda anual para o Peru (1,8% do PIB) e mais de 500 empregos diretos. Serão dinamizadas a atividade de pesca (conservas e congelação, farinha de peixe, entre outras) e a indústria de manufatura (alimentar, bebidas, metalomecânica e mobiliário, entre outras).
- Crescimento exponencial da logística de transporte e logística associada, totalmente automatizada, como parte da cadeia de abastecimento e retorno de carga que utilizará o megaporto de Chancay.
- Faz do Peru um dos centros portuários mais importantes da China na América Latina. Portanto, o Peru tem a oportunidade de melhorar os seus portos de Paita, Bayóvar, Corío, Marcona e Ilo.
- Dado o tamanho do megaporto, o seu impacto geopolítico gerará amigos e inimigos na América Latina. Os EUA não vêem este ataque chinês de forma favorável.
- O Peru se tornará a porta de entrada da Ásia e, ao mesmo tempo, será o hub que distribuirá cargas para Brasil, Equador, Chile e Colômbia com projeções para outros países da América Latina.
- O impacto e a disputa geopolítica que o megaporto desencadeia são de natureza sísmica e envolvem o Peru como protagonista ativo. Os EUA tomaram nota porque estão conscientes de que o seu “quintal” ficará fora de controle.
- A expectativa é captar pelo menos metade dos 580 bilhões de dólares registrados no comércio entre a China e a América do Sul. Isto é compreensivelmente inaceitável para os EUA do ponto de vista comercial e geopolítico.
- Acesso aos mercados da Ásia-Pacífico (China, Japão, Coreia do Sul e Indonésia) para produtos peruanos com amplo potencial de crescimento.
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Presidente peruana, Dina Boluarte conta com 5% de aprovação dos cidadãos, inferior ao corrupto Keiko Fujimori (9%)
Este novo cenário de novas relações e oportunidades também acelera processos que caminhavam sem pressa, de forma bastante lenta. Por exemplo, as negociações sobre Acordos de Livre Comércio (ALC) com Hong Kong, Tailândia, Índia e Indonésia estão acelerando e deverão ser assinadas no âmbito da cúpula de APEC 2024 e da inauguração do megaporto de Chancay.
Esses ALCs abririam um mercado de mais de 3.5 bilhões de dólares que, com maiores volumes e diversidade de produtos, o Peru poderá acessar em menos de 28 dias, ao invés dos 48 que ocupa hoje.
Hong Kong é o décimo segundo parceiro comercial do Peru na Ásia. As exportações do Peru consistem basicamente em frutas (77%), produtos pesqueiros (7%) e minerais (6%). Enquanto importamos rebocadores, aço, têxteis e tecnologia. É importante esclarecer que Hong Kong é o quinto destino das frutas peruanas (4%); o primeiro são os EUA (42%); União Europeia (28%), China (5%) e Reino Unido (5%). Espera-se, no médio prazo, que deixem de ser exportadores primários para dar lugar à indústria transformadora e diversificar a pauta de exportações.
A Tailândia importa uvas de mesa do Peru. Embora o Peru seja o maior exportador mundial desta fruta, envia apenas 1,7% para a Tailândia. O Peru é o quinto fornecedor de Pota a este país, depois da China, Índia, Argentina e Vietnã. Poderá melhorar a oferta com outros produtos agrícolas como tangerina, biscoitos doces, alho e açúcar, gás natural, ácido sulfúrico, entre outros.
A Índia, com os seus 1,4 bilhões de habitantes, é o segundo destino mais importante do ouro peruano, representando 88% do total exportado para o país. Importa bens destinados à indústria automóvel e pesada (30%), química (21%) e têxtil (20%), entre outros.
A Indonésia, com mais de 270 milhões de habitantes, é outro mercado recente com potencial que permitiria expandir o comércio bilateral, especialmente de origem agrícola derivado dos ativos projetos de irrigação Majes, Siguas e Chavimochic. Atualmente o intercâmbio comercial é pequeno, destacando-se a importação de automóveis.
O Peru está começando a aproveitar as oportunidades derivadas da rápida operação do megaporto de Chancay.
A coalizão da extrema-direita
Esta coligação é a que controla o “Congresso dos criminosos” cujas decisões são definidas num cenário onde as instituições democráticas são quase inexistentes. A autorização que concede a quem “atua como presidente” nada mais é do que parte da pobreza política em que opera este poder do Estado. Defendem Boluarte enquanto seja útil atender seu objetivo de permanecer até 2026. Assim que esse motivo sumir, um ano antes de terminar o seu mandato, estaremos presenciando um processo de vacância típico das máfias políticas entrincheiradas no poder.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Rocio Paik.