Há poucos anos, as mulheres brasileiras derrubaram um presidente da Câmara dos Deputados que ousou atacar os seus direitos. Hoje um ilustre zé-ninguém, Eduardo Cunha tentou impor um Projeto de Lei para impedir o aborto legal para mulheres vítimas de estupro e criminalizar a chamada “pílula do dia seguinte”. O movimento levou mulheres às ruas de todo o país e ficou conhecido como “Primavera Feminista”. O deputado então foi cassado em 2016 por envolvimento com corrupção e até tentou se eleger novamente em 2022, mas fez ridículos 5.044 votos e ficou de fora, ao lado de outros indesejáveis como Joice Hasselmann.
Naquele momento, as mulheres vanguardearam não só a luta para colocar abaixo o absurdo PL 5069, mas lutaram também contra toda a agenda conservadora e reacionária em curso no Congresso Nacional, com a campanha “Fora Cunha”. Desde então, é indiscutível a capacidade de mobilização que as pautas ligadas aos direitos das mulheres têm na sociedade.
Agora, a história se repete: nas últimas semanas, Arthur Lira colocou para votação o regime de urgência do PL 1904/2024, que criminaliza pessoas que fizerem um aborto com mais de 22 semanas de gestação, qualificand-o como crime de homicídio. O PL recebeu o apelido de “PL do Estupro” porque as principais prejudicadas são as vítimas de violência sexual, principalmente as crianças, pois são elas as que mais demoram para identificar as mudanças no corpo com a gestação, podendo ultrapassar o marco das 22 semanas.
Levante feminista avança para barrar o PL
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Alguns veículos noticiaram que essa medida seria uma cortina de fumaça, apenas uma sinalização para que o Presidente da Câmara possa cumprir seus acordos com a bancada da bíblia. O que pode até ter um fundo de verdade, afinal, Lira faz da Câmara um balcão de interesses pessoais. Mas não é prudente contar com a moderação de um deputado reacionário, aliado aos interesses bolsonaristas e com negócios a tratar: o seu “toma lá dá cá” envolve promessas e distribuição de emendas para manter sua base fiel. Coincidentemente, seu patrimônio declarado para a justiça eleitoral em 2022 revelou um aumento de 247% entre uma eleição e outra.
Fato é que os deputados fascistas e o Centrão estão na ofensiva para aprovar a qualquer custo a sua agenda de exploração da classe trabalhadora, através de medidas reacionárias que destroem nossos direitos. Com o objetivo de massacrar ainda mais as mulheres e crianças, esse PL expressa o que tem de mais violento na base ideológica que sustenta esses parasitas no Congresso.
Entretanto, desconfio sempre de quem analisa a realidade sem o agente principal da sua transformação. Não é possível que todo o nosso passado, presente e futuro esteja nas mãos de alguns deputados em Brasília. As massas, as maiorias, as trabalhadoras, realmente não decidem nada?
A violência sexual é uma epidemia no Brasil e gravidez forçada é tortura
Mais de 74 mil estupros foram registrados em 2023, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Mas esse número é muito maior, pois estima-se que apenas 10% dos casos são relatados. E a revolta está no fato de que mais de 60% das vítimas de estupro no Brasil tem até 13 anos de idade e 86% das violências são praticadas por algum conhecido ou familiar: o pai, o padrasto, o tio. Além disso, o Brasil é o 2º no ranking mundial de exploração sexual infantil.
Ora, assim que a população soube que Lira e os bolsonaristas querem obrigar crianças estupradas a serem mães, rapidamente as ruas das principais capitais foram tomadas por uma grande onda feminista. Essa onda vai além da simples reação: tem a cor verde, em referência à campanha internacional pela legalização do aborto e pela vida das mulheres.
Esse foi o levante que obrigou Lira a fazer um primeiro recuo, porque não tem orçamento secreto, negociata e nem dinheiro que seja mais poderoso que um povo que se revolta. E a questão principal é que não somos só nós que sabemos disso.
Com as mulheres nas ruas podemos não só barrar esse PL absurdo, como avançar na histórica pauta da legalização do aborto, inspiradas nas nossas combativas irmãs argentinas.