Agência Efe
PSUV estima que tem sete milhões de afiliados
O PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) deu início, neste sábado (26/07), ao seu terceiro Congresso Nacional. Pela primeira vez sem a presença do falecido líder Hugo Chávez, fundador da sigla, o congresso é realizado em meio a polêmicas geradas por críticas abertas de setores chavistas e expectativas acerca do rumo do governo de Nicolás Maduro.
A gravação do hino nacional venezuelano cantado por Chávez, a interpretação do hino do PSUV por coros e pela orquestra filarmônica do país e um vídeo do falecido líder deram início ao evento, no qual Maduro foi nomeado presidente do partido, ocupando o posto não renovado após a morte de Chávez, em março do ano passado.
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O congresso foi convocado por Nicolás Maduro em janeiro, antes da eclosão de protestos opositores contra seu governo. Na ocasião, o presidente chamou a militância do partido – calculada em mais de sete milhões de afiliados – a participar dos debates “para que retifiquemos e renovemos o que haja que renovar”. Na noite de ontem (26), o chefe de Estado enfatizou que o congresso será “inesquecível para o rumo da pátria”.
“Que nem tudo é perfeito dentro do partido, que nem tudo funciona como deveria funcionar? É verdade, e sou o primeiro, somos os primeiros em reconhecer. Mas eu sei também que dentro do PSUV há uma enorme força crítica e criadora para corrigir o que tem que corrigir”, disse.
Uma polêmica recente, no entanto, coloca em questão a real abertura para questionamentos no chavismo.
Em junho, o ministro mais antigo de Chávez, Jorge Giordani, publicou uma carta com duras críticas à gestão de Maduro, após ser afastado do gabinete. O governo qualificou a atitude como traição e pediu lealdade. Outro ex-ministro, Héctor Navarro, escreveu uma carta de apoio a Giordani e afirmou ter sido passado ao tribunal disciplinar do partido, com suas funções como dirigente suspensas.
A polêmica desatou discussões sobre a necessidade de canais de discussão e mais democracia interna no chavismo. Maduro afirmou, na abertura do evento, que o partido “não foge à crítica, nem à opinião” e que a “revolução nasceu alimentando a crítica, a autocrítica”. O chefe de Estado venezuelano, no entanto, não economiza chamados a “máxima lealdade”, “disciplina”, e um dos pedidos de Chávez, em seu último discurso público: unidade.
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Mal estar nas bases é apontado por críticos como conseqüência da falta de participação popular nas decisões governamentais. Em uma tentativa de reverter a crise econômica, em um cenário de inflação anualizada de cerca de 60% e problemas no abastecimento permanente de produtos, o que contribui com o descontentamento, o governo tem se aproximado do empresariado, alvo de resistência de chavistas alinhados à esquerda mais ortodoxa, como o ex-ministro Giordani.
“Acho que o povo chavista está incomodado pelo fato de que a pressão dos empresários se sente e se choca com aspirações populares. Isso quebranta a base do povo e leva à possibilidade de que este se manifeste, com luta, protestos, reclamações a favor das mudanças que sentem que são necessárias”, explica Gonzalo Gómez, coordenador da Marea Socialista, uma corrente crítica do chavismo.
Para ele, a demanda não é por “mudanças inclinadas à direita”, razão pela qual as manifestações opositoras dos primeiros meses do ano, apesar do mal-estar, não tiveram adesão de classes populares. “Os protestos e todas as ações da oposição não chegaram ao seio do povo, porque o povo sabe o que é a oposição burguesa”, explica, esclarecendo que a qualificação que utiliza é política e não pejorativa.
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Nicolás Maduro se juntou à multidão para participar do Congresso do PSUV
Segundo Gómez, as mudanças devem dar-se dentro na própria “revolução” – como disse o próprio presidente -, valorizando conquistas da era chavista, razão pela qual o movimento propõe, entre outras medidas, a renovação na direção do PSUV. “O estilo da condução tem sido limitado às figuras dos dirigentes, sobretudo os que têm cargos públicos. Se vamos ver, os dirigentes e lutadores concretos das lutas da classe trabalhadora não estão no governo”, explica.
“Além disso, mistura-se partido, Estado e governo e consideramos que assim não se pode fazer controladoria social, propor políticas e fazer seguimento do desenvolvimento e aplicação. Se são os funcionários do governo os que nos dirigem, nós estamos nas mãos do governo e o governo não está em nossas mãos”, expressa ele.
Outra das questões levantadas é a necessidade da direção se abrir às críticas. Para a deputada chavista María León, presidente da comissão permanente da Família na Assembleia Nacional, no entanto, este espaço existe. “Chávez assumiu a consigna de diversidade na discussão e lealdade na ação. Não estamos considerando um pensamento único”, disse, antes de entrar no evento.
León acha que “se deu muita importância” para as críticas de Giordani. “Nós estamos acostumados a ouvir essas coisas”, garante, afirmando ter certeza de que Maduro não segue uma linha diferente de governo à herdada de Chávez. “Qualquer medida que ele tomar estará no contexto do momento, mas sem perder de vista que o objetivo é construir uma grande sociedade que nós denominamos de socialismo bolivariano”, expressou.
Quando questionada por Opera Mundi sobre a possibilidade de que as decisões que saírem do congresso impactem a gestão de Maduro, responde que certamente. “Chávez dizia que há um círculo virtuoso entre o povo organizado, partido e governo, que têm que estar em constante interação. Então para ele, o partido, que é a parte mais organizada do poder popular, é quase um mandato”, diz.
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A deputada acredita que as principais discussões do congresso devem ser sobre a economia: “Estamos submetidos a uma guerra econômica do império e nosso partido tem que conduzir o Estado venezuelano à construção de um modelo que nos permita sustentar o que temos e avançar”, analisa.
Para o sociólogo Javier Biardeau, o descontentamento pode resultar em um enfraquecimento do partido. “Não acho que um partido como o PSUV vá se dividir e que uma retirada de um setor seja significativa para pôr em perigo neste momento sua estrutura organizativa. Pode se debilitar e diria que é o principal problema neste momento, quanto à capacidade de agregação, articulação de demandas e aspirações dos que foram seus simpatizantes de militância na hora de elaborar políticas e acompanhar o governo em um programa de gestão”, diz a Opera Mundi.
A insatisfação de demandas também traz como consequência a reorganização em uma “insurgência articulada” que propõe a reinvenção do partido. “Quando uma grande personalidade histórica que conduz um partido de massas desaparece, há uma recomposição política: uma tentativa de recriar esse mesmo estilo de liderança com uma nova figura ou de renovar a idéia do partido programático, que é justamente o dilema que existe neste momento”, explica.
Para o sociólogo, não se pode desconsiderar que o PSUV “é um partido de massas extremamente grande quando comparado com outros da América Latina”, o que faz com que o que aconteça na sigla tenha efeito no resto da sociedade. “Isso é o que se move em termos de expectativa”, diz ele, que afirma que apesar da tendência de apoio unânime à figura de Maduro no congresso, a questão da direção coletiva, colegiada ou unipessoal está latente.
Atual ministro para a Transformação de Caracas, Ernesto Villegas, que participa do congresso como delegado, diz perceber, no entanto, haver unidade em torno do legado de Chávez e da liderança de Maduro, além de “muita consciência acerca da necessidade desta união”. Segundo ele, um dos desafios do congresso é justamente “deixar clara”, diante do país e do mundo, “a férrea unidade dos revolucionários”.