O ministro da Justiça, Sergio Moro, anunciou na manhã desta terça-feira (20/08), pelo Twitter, que o chileno Mauricio Hernández Norambuena, envolvido no sequestro do publicitário Washington Olivetto em 2001 e líder histórico da esquerda do país sul-americano, foi extraditado nesta madrugada para o Chile.
“Mais um criminoso que se foi. Extraditado com autorização do STF, foi entregue nessa madrugada ao Chile para cumprir as penas, comutada a perpétua para 30 anos, as quais foi condenado naquele país. Brasil não é refúgio para criminosos”, escreveu Moro, citando um tuíte prévio do presidente Jair Bolsonaro, que dizia que Norambuena havia sido condenado no Chile pelo assassinato do senador Jaime Guzmán, em 1991.
Mais um criminoso que se foi. Extraditado com autorização do STF, foi entregue nessa madrugada ao Chile para cumprir as penas, comutada a perpétua para 30 anos, as quais foi condenado naquele país. Brasil não é refúgio para criminosos. https://t.co/PVeEx09ujf
— Sergio Moro (@SF_Moro) 20 de agosto de 2019
O avião que trazia Norambuena pousou no aeroporto Arturo Merino Benítez, em Santiago, às 4h30 locais (3h30 em Brasília), sob forte esquema de segurança. Segundo o chanceler chileno Teodoro Ribera, a aeronave decolou de São Paulo por volta da meia-noite.
Familiares de Norambuena fizeram uma manifestação no aeroporto santiaguino, com placas e cartazes afirmando que o processo se deu de forma ilegal.
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De acordo com o Ministério da Justiça do Brasil, o Chile se comprometeu em comutar a pena de Norambuena de perpétua para 30 anos, descontando os três que ele já cumpriu no país natal – mas sem descontar os 16 nos quais ele ficou detido em território brasileiro.
O ministro da Justiça do Chile, Hernán Larraín, confirmou a redução da pena de Norambuena. “Hernández Norambuena terá como pena máxima em nosso país os 30 anos que têm como limite superior a legislação do Brasil para seus condenados, cumprindo assim nossas obrigações internacionais derivadas do tratado mencionado [Tratado de Extradição de 2012, entre Mercosul, Chile e Bolívia]”, disse.
Extradição ilegal
Na segunda (19/08), ao jornal chileno La Tercera, a irmã de Norambuena, Laura Hernández Norambuena, disse que a família do militante não havia sido avisada sobre nenhum passo ou intenção dos governos de Brasil e Chile sobre a extradição.
“Ele tem duas condenações à prisão perpétua no Chile e não temos conhecimento do que foi acordado entre os estados para a extradição […], por isso não sabemos o que foi acordado, porque foi feito às escuras”, afirmou.
Sobre as condições de extradição de Norambuena, Laura destacou que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 2003 que “a extradição devia acontecer quando o Chile diminuísse suas penas […], e a segunda coisa é o tratado de transferência do Mercosul, que [prevê que] devem ser descontados os anos que ele cumpriu pena no Brasil”.
“Nós vínhamos solicitando isso há muitos anos para que ele possa cumprir sua pena aqui. Não posso dizer que não gosto, mas por anos negaram a extradição”, disse.
Reprodução/YouTube
Norambuena foi extraditado para o Chile nesta terça-feira (20/08)
Quem é Norambuena?
Norambuena é um líder histórico da esquerda chilena e fez parte de um dos grupos que pegou em armas para lutar contra a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Membro da Frente Patriótica Manuel Rodríguez (FPMR), o ‘comandante Ramiro’, como é conhecido, já foi preso pela acusação de matar um aliado do ex-ditador – para depois fugir da cadeia de maneira espetacular.
O chileno era uma das figuras centrais da resistência à ditadura. Em 1983, o até então professor de educação física e militante do Partido Comunista do Chile ingressou na Frente Patriótica Manuel Rodríguez (FPMR), um braço armado da agremiação. Posteriormente, a frente passou a agir de maneira independente do partido.
Três anos depois, participou do atentado de Cajón de Maipo, que, em 1986, tentou atingir Pinochet, sem sucesso. Acabou preso, no entanto, por outro motivo: o assassinato, em 1991, do então senador Jaime Guzmán, colaborador muito próximo do então já ex-ditador. O chileno foi considerado autor intelectual do ato.
Foi condenado, em 1993, a dupla prisão perpétua – uma pela morte, outra, por infrações à lei de armas, associação ilícita, falsificação de documentos públicos, terrorismo e uso de identidade falsa.
Em 1996, fugiu de maneira espetacular do Presídio de Segurança Máxima de Santiago. Um helicóptero, desviado de uma rota turística por membros da FPMR e integrantes do IRA (Exército Republicano Irlandês), entrou na cadeia e retirou Norambuena de lá, junto com outros frentistas.
O paradeiro posterior do chileno ainda é objeto de muitas especulações, mas informações apontam que ele passou por Cuba e Colômbia.
Sequestro
Em 2001, Norambuena estava no Brasil e participou do sequestro de Washington Olivetto, um do publicitários mais famosos do país. Após mantê-lo em cativeiro por 53 dias, a operação foi desbaratada pela polícia e o chileno foi preso em um sítio em Serra Negra (SP). Apesar do componente político da ação, a Justiça brasileira analisou o caso como um sequestro comum.
O planejamento do sequestro levou quase um ano e permitiu que os autores conhecessem a rotina de Olivetto. No dia 11 de dezembro de 2001, os sequestradores criaram uma falsa blitz policial na saída da agência do publicitário. O carro dirigido pelo motorista de Olivetto foi parado. O publicitário foi levado para um cativeiro no bairro do Brooklin, zona sul de São Paulo. O resgate serviria supostamente para financiar as atividades de uma fração do MIR (Movimento Esquerda Revolucionária) chileno. A libertação aconteceu mais de 50 dias depois, sem que se conseguisse o dinheiro.
Norambuena tem direito, desde janeiro de 2011, a progredir ao regime semiaberto e, desde 2014, ao aberto. Mesmo assim, a Justiça tem negado essa progressão. Em 2016, o juiz federal Walter Nunes da Silva Júnior não autorizou a mudança na pena. A justificativa é que “o preso poderia fugir” para um país sem acordo de extradição com o Brasil, por exemplo.