A Organização Mundial da Saúde (OMS) disse que existe um “risco biológico” enorme após a tomada, na segunda-feira (24/04) de um laboratório público de Cartum. Os invasores – não se sabe ao certo se são do lado do exército do general Abdel Fattah al-Burhane ou das Forças de Apoio Rápido (FAR) do general Mohamed Hamdane Daglo – fizeram do laboratório sua base militar, e estão expostos a patógenos muito contagiosos, segundo a OMS. A guerra no Sudão já deixou mais de 500 mortos em menos de duas semanas.
O laboratório está localizado em uma zona disputada da capital, a algumas ruas do aeroporto internacional de Cartum. No local podem ser encontrados patógenos contagiosos como o do cólera, da poliomielite e do sarampo.
Os técnicos do laboratório foram expulsos por homens armados, que atualmente são os únicos a acupar o prédio. Uma situação perigosa, de acordo com Ahmed Al-Mandhari, diretor regional da OMS para o Mediterrâneo Oriental. “Pessoas não formadas estão no controle do laboratório. Eles podem fazer manipulações erradas com amostras, ser contaminados, ou até contaminar outras pessoas de fora”, diz.
Hospitais bombardeados
Outra preocupação da OMS é a falta de eletricidade. Os congeladores do laboratório, que conservam bolsas de sangue, não funcionam. Sem estoques, os civis começam a ter dificuldades de encontrar remédios e os feridos de se tratar, lembra o representante da OMS. “Vários hospitais e clínicas, públicos e privados, estão fechados. Faltam remédios, temos um acesso limitado à água potável. O fato de o laboratório não estar funcionando impede ainda mais o sistema de saúde sudanês de funcionar”, diz.
Desde o começo do conflito, 14 hospitais foram bombardeados, de acordo com o sindicato dos médicos, e 19 foram esvaziados à força pelas milícias.
Os combates continuam na sexta-feira em Cartum e especialmente na região de Darfur, apesar de uma prorrogação da trégua concluída entre o exército e os paramilitares.
Em El-Geneina, capital de Darfur Ocidental, 74 pessoas foram mortas durante os primeiros dois dias de combates na segunda e terça-feira (25/04), informou o sindicato dos médicos em um relatório provisório, não sendo possível contabilizar as mortes dos últimos dias até o momento, já que todos os hospitais estão “fora de serviço”.
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Cartum, capital do Sudão
Pouco antes do término, à meia-noite (7h em Brasília) de um cessar-fogo de três dias, o exército do general Al-Burhane e as FAR do general Daglo, aprovaram um período de 72 horas de extensão da trégua que praticamente não foi respeitada pelos dois lados.
Em Darfur, “a situação ainda é muito tensa”, disse um morador de El-Geneina à AFP. “Ontem foi um dia muito difícil. Não há mais comida”, porque “os mercados foram saqueados”.
Desde a noite de quinta-feira (27/04), advogados e médicos estão alertando que na região de Darfur, localizada na fronteira com o Chade. Em El-Geneina, os combatentes pegaram “metralhadoras pesadas e armas antiaéreas” e “dispararam foguetes contra casas”, relata a Ordem dos Advogados de Darfur.
“Burhane e Hemedti devem parar imediatamente esta guerra estúpida que está sendo travada nas costas de civis”, pede a instituição. A ONU informou, por sua vez, que “as armas são distribuídas” aos civis.
'Massacre'
As primeiras retiradas de expatriados da ONU e organizações humanitárias em Darfur começaram na segunda-feira. Pouco depois, a violência aumentou em El-Geneina, garante o sindicato dos médicos, falando de um “massacre”.
Cerca de 50.000 crianças “que sofrem de desnutrição aguda” estão privadas de ajuda alimentar na região, alerta a ONU, que suspendeu suas atividades após a morte de cinco trabalhadores humanitários.
Poucas informações filtram dessa região onde uma guerra civil iniciada em 2003 entre o regime de Omar el-Bashir, deposto em 2019, e insurgentes de minorias étnicas deixou cerca de 300 mil mortos e quase 2,5 milhões de deslocados, segundo a ONU.
Em Cartum, os cinco milhões de habitantes estão privados de água encanada e eletricidade e, muitas vezes, de internet e telefone. A gasolina e o dinheiro também estão acabando.
Os combates provocaram um êxodo em massa neste país de 45 milhões de habitantes, um dos mais pobres do mundo. A União Africana pede que o trânsito dos civis que fogem dos combates seja facilitado.
Várias dezenas de milhares de pessoas já estão nos países fronteiriços, principalmente no Chade, a oeste, e no Egito, ao norte. Um total de 270.000 pessoas poderiam fugir para o Chade e o Sudão do Sul, de acordo com a ONU.
Vários países ocidentais, incluindo Estados Unidos, França, Canadá e Reino Unido, continuaram retirando centenas de pessoas. A China anunciou que evacuou a maioria de seus cidadãos.
Um novo navio saudita chegou sexta-feira a Jeddah (oeste), elevando para 2.991 o número de pessoas evacuadas por Riad, que recebeu a maior parte dos estrangeiros que deixaram o Sudão por via marítima.