O republicano Kevin McCarthy, presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, foi destituído nesta terça-feira (03/10) por congressistas do seu próprio partido, em uma votação histórica no Congresso pelo ineditismo da manobra política.
McCarthy foi acusado de ajudar os adversários democratas.
Pela primeira vez em 234 anos de história, a Câmara apoiou uma resolução “para a vacância do cargo de presidente da Casa”, por 216 votos a 210, preparando o terreno para uma disputa sem precedentes para substituir seu porta-voz, um ano antes da eleição presidencial norte-americana.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, expressou o desejo de que a Câmara eleja rapidamente um novo líder, “porque os desafios urgentes que nossa nação enfrenta não irão esperar”, declarou a secretária de Imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre.
McCarthy, um ex-empresário de 58 anos, havia aborrecido os conservadores no último fim de semana, ao aprovar uma medida temporária bipartidária, apoiada pela Casa Branca, para evitar a paralisação dos serviços federais.
O conservador da Flórida Matt Gaetz, que pressionou pelo voto de destituição de McCarthy, apostou que conseguiria derrubar o presidente da Câmara com o apoio de alguns poucos republicanos, ajudados pela relutância dos democratas em salvar o presidente da Casa, que abriu recentemente uma investigação de impeachment altamente politizada contra o presidente Joe Biden.
Por algum tempo, McCarthy pensou que conseguiria salvar sua cabeça, esperando que os cálculos políticos prevalecessem e que ele conseguiria fazer com que os democratas o apoiassem, mesmo que apenas por pouco, em troca de concessões.
“Cabe ao Partido Republicano pôr fim à guerra civil republicana na Câmara”, disse o líder democrata Hakeem Jeffries em uma carta, após uma longa reunião com sua bancada na terça-feira. “Há inúmeras razões para deixar os republicanos lidarem com seus próprios problemas. Deixe-os chafurdar na lama de sua incompetência e de sua incapacidade de governar”, disse a implacável deputada progressista Pramila Jayapal.
Os republicanos foram alertados de que poderiam mergulhar o partido “no caos”. Entretanto, Gaetz, que reclamou reiteradamente do fracasso de McCarthy em honrar os acordos feitos com deputados de extrema direita pró-Trump, replicou: “O caos é o presidente McCarthy. Caos é alguém em cuja palavra não podemos confiar.”
'Vou continuar lutando'
Apesar da destituição, McCarthy apareceu com um sorriso diante da imprensa no final do dia “para dizer a verdade” e expressar orgulho pelo trabalho que realizou desde janeiro nesse cargo cobiçado. A conversa, excepcionalmente longa, teve ares de terapia, “uma forma de liberação”, relatou o correspondente da RFI em Washington, Guillaume Naudin.
McCarthy não escondeu uma certa dose de ressentimento contra aqueles que o forçaram a entregar o martelo de presidente da Câmara. “Precisamos de 218 votos. Infelizmente, 4% dos membros do nosso grupo podem se unir a todos os democratas e ditar quem pode ser o presidente republicano da Câmara. Não acho que essa regra seja boa para a instituição, mas aparentemente sou o único. Acho que posso continuar lutando, talvez de outra forma. Não vou me candidatar a presidente da Câmara novamente. Deixarei que o grupo escolha outra pessoa.”
Adam Schultz/ Official White House
Kevin McCarthy (esq.) foi acusado de ajudar os adversários democratas, partido do presidente Biden (dir.)
Desde sua eleição arrancada a fórceps em janeiro, McCarthy era pressionado pela ala trumpista radical do partido, composta por um pequeno grupo de deputados. McCarthy acusou Gaetz de semear o caos para arrecadar dinheiro de seus apoiadores para a campanha eleitoral.
“Todos nós conhecemos Matt Gaetz. Isso não tem nada a ver com suas acusações. Tudo o que ele quer é atenção. Já estamos recebendo e-mails pedindo doações para ele por causa disso”, disse o parlamentar destituído, reportou o correspondente da RFI em Miami, David Thomson.
Meses na corda bamba
O presidente da Câmara dos Representantes é o segundo na linha de sucessão da Presidência norte-americana. Assim como muitos congressistas, McCarthy criticou Donald Trump após os distúrbios no Capitólio em 2021, mas logo recuou e viajou à Flórida para fazer as pazes com o magnata, garantindo um apoio crucial para suas ambições como presidente da Câmara.
Quando ele conseguiu o que queria, enfrentou uma realidade desconfortável: seu controle do poder ficou à mercê dos republicanos linha-dura.
McCarthy teve uma briga em maio com o presidente Joe Biden sobre o aumento do teto da dívida do país. Conseguiu um acordo de última hora para evitar o default e, embora tenha considerado a negociação como uma vitória dos conservadores, precisou enfrentar a ala radical, que o criticou por ter feito muitas concessões em matéria de gastos públicos.
Os conservadores se incomodaram com o que viram como um revés de McCarthy, que havia prometido o fim da legislação provisória acordada às pressas com o apoio do partido da oposição e um retorno ao orçamento por meio do processo da comissão.
O embate interno acontece dois dias depois de a Câmara dos Representantes e o Senado terem aprovado, por maioria bipartidária em ambos os casos, uma medida para evitar um custoso “shutdown” do governo, ao prolongarem o financiamento federal até meados de novembro.
Desconfiança
O compromisso limitado de McCarthy com os democratas voltou a irritar a extrema direita na semana passada, quando ele usou os votos do partido rival para evitar a paralisação do governo. Liderando as críticas estava o congressista Matt Gaetz, um adversário antigo.
“Kevin McCarthy caiu hoje porque ninguém confia nele”, declarou Gaetz após a votação. “McCarthy fez várias promessas contraditórias. Quando todas foram cumpridas, perdeu.”
Como exemplo das divergências entre os republicanos, os representantes conservadores se revezaram no plenário para defender e criticar McCarthy, uma demonstração pública das disputas internas que provocou a reação de Donald Trump.
“Por que os republicanos passam o tempo todo discutindo entre si? Por que não lutam contra os democratas radicais de esquerda que destroem o nosso país?”, questionou o magnata em sua plataforma, Truth Social.