Após ameaças a testemunhas, polícia arma operação especial para julgamento de Videla
Após ameaças a testemunhas, polícia arma operação especial para julgamento de Videla
“Vocês deveriam estar entre os 30 mil desaparecidos, vendo margaridas crescer debaixo da terra”, escutou, ao atender o telefone, o pai de Claudio Orosz, advogado que representa os familiares querelantes no julgamento do ex-ditador Jorge Rafael Videla e outros 30 militares e policiais, acusados de assassinatos e torturas em um presídio da província argentina de Córdoba, entre abril e outubro de 1976.
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“Esta foi a primeira de uma sequência de ameaças que recebi desde o início das audiências”, contou o advogado ao Opera Mundi. Nos meses seguintes, uma carta, cujo teor tinha apenas insultos, chegou em seu nome na sede da organização H.I.J.O.S. (Filhos pela Identidade e Justiça, contra o esquecimento e o silêncio), também representada por ele.
Uma segunda carta, desta vez destinada ao seu pai, sobrevivente do Holocausto judeu, perguntava “se ele se lembrava do cheiro dos corpos apodrecendo e queimando nos crematórios”. A última intimidação foi uma carta deixada no pára-brisa do carro do advogado, estacionado em uma garagem privada. “Também ligaram para um ex-preso político e disseram que iam matar alguns de nós antes do dia do veredicto”, relatou Orosz.
“A intenção deles é incomodar. Não podemos encarar como se fosse brincadeira, existem casos em que isso se cumpriu, como com Julio López”, afirmou, em referência ao pedreiro desaparecido em 2006, em plena democracia, após testemunhar contra um militar acusado de crimes de lesa humanidade e condenado à prisão perpétua.
O caso deste advogado não é isolado. Ameaças às testemunhas envolvidas no caso foram se acumulando ao longo dos meses de audiência. “Ligam para alguns deles e fazem sons de correntes se arrastando”, disse Juan Carlos Álvarez, da Associação de ex-Presos Políticos de Córdoba. Segundo ele, as testemunhas e companheiros que integram as associações de direitos humanos relacionadas com a causa criaram um sistema próprio de prevenção.
“Sempre ligamos uns para os outros para saber se está tudo bem. Estamos nesta condição e nossa tarefa é continuar militando”, afirmou ele, pouco intimidado. “O recurso deles é o uso da violência, como sempre fizeram.”
Para Orosz, as ameaças têm “uma origem clara, do pessoal próximo ao setor policial que está sendo julgado”, denunciou.
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Proteção
Devido às ameaças, o Corpo Especial de Proteção à Testemunha de Córdoba aumentou a equipe, que em 2006 tinha apenas 12 efetivos e hoje conta com 51. Todos os dias, policiais custodiam os ex-centros clandestinos de detenção, hoje convertidos em centros de memória, além das sedes das organizações de direitos humanos envolvidas no julgamento.
“As testemunhas solicitam custódia geralmente porque temem por sua integridade e a de sua família, por possíveis atentados que possam sofrer. Para a prevenção, oferecemos proteção integral, à qual a testemunha pode recorrer voluntariamente”, explicou o major Nicolás Tobares, chefe do organismo de proteção.
Para garantir a segurança do veredicto do julgamento, que deve ser realizado nesta quarta-feira (22/12), um operativo especial será montado dentro e fora do tribunal, em uma coordenação entre a Polícia de Córdoba e a Polícia Federal argentina. “Reforçando as medidas de segurança no marco de uma prevenção integral, a audiência deve transcorrer dentro dos parâmetros normais, afirmou o major.
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Intimidações
As ameaças, porém, não se restringem a cartas e a telefonemas. O jornalista Mariano Saravia, autor de um livro que faz um extenso relato sobre as atividades policiais na época, relatou no tribunal estranhos fatos que vivenciou desde a publicação da obra: “Apareceram 10 balas na frente da minha casa. Depois, minha cachorra desapareceu, e me ligavam para que eu a escutasse latir, pelo telefone”, afirmou.
No livro, o jornalista relata o medo que sentiu ao chegar em sua casa e perceber que a fechadura estava quebrada. Segundo ele, tudo estava em seu lugar, o que descarta a possibilidade de roubo. No entanto, dois objetos foram alvos de atenção: uma gravata na geladeira e um queijo sobre sua cama. “Denunciei à polícia, mas me diziam que não eram ameaças, somente intimidações, e que não podiam fazer nada”, contou. Quando as denúncias vieram a público, o governador de Córdoba lhe ofereceu proteção, afirmando que a polícia da província estava à sua disposição.
Até mesmo a internet serviu como fonte de ameaças. Um blog de evidente apoio aos repressores publicou três listas com nomes e endereços de testemunhas, além de incitações contras as mesmas, com a seguinte introdução: “nomes de terroristas e seus lugares de residência: podem ser seus vizinhos, professores, te tratar como amigos. Eles convivem conosco”. A maioria dos endereços divulgados é da capital de Córdoba e de outras cidades da província.
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Alguns dos posts estão assinados por “Presos políticos de Bouwer”. Este é o nome da prisão onde estão presos Luciano Benjamín Menéndez e Videla, este temporariamente, durante o julgamento. Entre as “definições” das testemunhas, afirmam: “são pessoas que colocaram bombas, assassinaram e sequestraram civis, militares, polícias e agentes penitenciários. Destruíram bens públicos e privados. Hoje? Se transformaram em mártires ou jovens idealistas que ganharam suculentas indenizações.”
O blog ainda chama a uma desmoralização das testemunhas: “saiba quem são e difunda entre seus amigos, vizinhos, colem nos pontos de ônibus. Se conhecem outros, acrescentem na lista”.
Legalmente, nomes de testemunhas não podem vir a público sem a autorização expressa de cada uma delas. Organizações de direitos humanos já acionaram a justiça para pedir a investigação dos responsáveis pela publicação.
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Breno Altman: esquerda deve deixar o 7 de setembro nas mãos dos bolsonaristas?
Jornalista alerta para risco de fortalecimento da extrema direita às vésperas das eleições, se puder ocupar as ruas e controlar o Bicentenário da Independência; veja vídeo na íntegra
A esquerda se arrisca a alimentar o confronto desejado por Jair Bolsonaro se for às ruas no dia 7 de setembro. No contraponto, deixar o caminho livre para os manifestantes bolsonaristas pode trazer consequências eleitorais perigosas e imprevisíveis.
Assim o jornalista Breno Altman avalia, no programa 20 MINUTOS ANÁLISE desta terça-feira (09/08), o dilema das forças progressistas diante da frenética mobilização bolsonarista para ocupar as principais cidades do Brasil nas celebrações do bicentenário da Independência.
“O recuo e a intimidação não costumam ser boas saídas. A intimidação desorganiza, referenda o medo que o fascismo quer provocar e pode levar a um avanço político vitaminado do fascismo, que passa a ser assim capaz controlar as ruas e pode afetar as urnas”, afirmou o fundador de Opera Mundi.
São riscos embutidos nas várias alternativas de que o campo democrático dispõe para fazer frente a um momento decisivo para a extrema direita brasileira. A possibilidade de Bolsonaro colocar dezenas ou centenas de milhares nas ruas, sem um contraponto de esquerda, deve afetar de modos distintos os militantes bolsonaristas e os antifascistas. Por outro lado, é imprevisível o efeito desmoralizante que a hipótese de mobilizar menos gente que o bolsonarismo teria sobre a esquerda.
Uma alternativa para evitar o confronto seria a convocação de uma forte mobilização progressista para o dia 10 de setembro (sábado), por exemplo, e não para o dia 7 (quarta-feira). Isso embutiria o duplo risco de um desgaste por ter deixado as ruas livres para o bolsonarismo e da chance de o dia 10 ter menor participação popular, até por conta do recuo no dia 7.
“O campo democrático popular teria realmente forças para uma mobilização superior à do bolsonarismo? Seria razoável chegar a uma conclusão derrotista sem colocar todo empenho para impedir que a extrema direita domine o Bicentenário? Esse derrotismo não poderia ser um problema eleitoral ou pós-eleitoral?”, questiona Altman.
Outra alternativa passaria pelo Grito dos Excluídos, ato tradicionalmente articulado no dia 7 de setembro pelos movimentos populares. "Não seria o caso dos partidos de esquerda, sindicatos e movimentos populares fazerem uma convocação ampliada desse evento, jogando todas as suas energias?”, cogita.
Altman menciona uma solução de meio termo, nem de confronto aberto, nem totalmente apaziguadora: “Não seria o caso de ser organizado no próprio dia 7 de setembro um ato em Ouro Preto (MG), com a presença de Lula, para homenagear os Inconfidentes e Tiradentes e lançar um manifesto histórico por uma nova Independência, disputando espaço na mídia e nas redes contra o bolsonarismo?”.
Nessa hipótese, o dia 10 de setembro se caracterizaria como uma grande concentração eleitoral dentro do calendário de campanha, sem ter deixado um vácuo que venha a ser inteiramente ocupado pela extrema direita no dia 7 de setembro.

Wikimedia Commons
O recuo e a intimidação não costumam ser boas saídas para a esquerda, defende Breno Altman sobre ato do 7 de setembro
Em busca de referências históricas, Altman contrasta o momento que se aproxima com dois fatos passados, a começar pela ascensão fascista na Itália do pós-Primeira Guerra Mundial. Num primeiro momento, os grupos liderados por Benito Mussolini eram marginais, mas se exibiam dispostos a romper os limites da democracia liberal, ao contrário dos socialistas, cujo discurso revolucionário estava contido dentro desses limites.
A burguesia italiana entendeu que a violência poderia lhe ser útil e passou a financiá-la para intimidar rebeliões de trabalhadores impulsionadas pela Revolução Russa de 1917. Mussolini e seus partidários se lançaram nesse cenário numa escalada violenta cada vez mais acelerada, enquanto os socialistas, eleitoralmente majoritários na Itália, não eram capazes ou não tinham vontade política para enfrentar a violência fascista.
“O que se viu em seguida foi uma intimidação sem fim, com os socialistas sendo abatidos pelos fascistas e fugindo, entregando suas próprias organizações para os seguidores de Mussolini, enquanto os liberais cruzavam os braços, satisfeitos com a possibilidade de o fascismo derrotar qualquer período revolucionário”, documenta o jornalista.
O segundo fato se deu em 7 de outubro de 1934, em São Paulo, quando partidos de esquerda viveram dilema semelhante, embora fora do período eleitoral. Os integralistas de Plínio Salgado, fascistas da época, convocaram uma grande manifestação na praça da Sé, apoiados por parte da Igreja Católica e das Forças Armadas. Seu slogan, similar ao do bolsonarismo atual, era “Deus, pátria e família”.
A maioria da esquerda daquele momento optou pelo confronto, formando uma frente única entre comunistas, trotskistas, anarquistas e outros grupos para impedir a manifestação dos fascistas, num episódio que ficou conhecido como batalha da praça da Sé ou revoada dos galinhas verdes (em referência à cor dos uniformes integralistas). A militância antifascista colocou para correr os seguidores de Plínio Salgado, e o integralismo, intimidado, nunca mais tentou uma mobilização daquele porte.
De volta a 2022, o jornalista fala sobre a aposta da esquerda (e da sociedade brasileira de modo geral) na solução pela via institucional e eleitoral. “O problema é que o bolsonarismo está rompendo e possivelmente tenha forças para romper essa cultura. Vão testar isso no dia 7. Não nos iludamos, eles possuem condições de uma forte mobilização”, pondera. “A esquerda deve jogar parada, esperando apenas pelas urnas? Não ter uma cultura de disputar as ruas com o bolsonarismo, limitando a disputa às urnas, não pode acabar virando um tiro no pé?”, indaga.
“Tenho para mim que recuar da mobilização do dia 7 é uma má saída”, responde Altman à pergunta de um espectador que compara a desmobilização social durante os anos petistas com a desmobilização para o 7 de setembro de 2022. "Muitas vezes a saída mais inteligente é o confronto, e não a omissão”, afirma, voltando ao exemplo da revoada dos galinhas verdes em 1934.