A morte não apaga nada, escreveu Mario Benedetti em um poema que escreveu por ocasião da morte do ditador chileno Augusto Pinochet. É uma escapada vertiginosa dos seres e das coisas, do solo e do céu, filosofou num dos contos da obra Montevideanos.
Benedetti (1920-2009), escritor, poeta e ensaísta uruguaio que emprestou seus versos para as cordas de Joan Manuel Serrat, Pablo Milanés e Daniel Viglietti, escapou em um domingo nublado e chuvoso em Montevidéu, aos 88 anos de idade. Três anos antes, havia perdido a companheira de toda a vida, Luz López. Nos últimos meses, foi internado várias vezes devido a um problema crônico no intestino. Mas morreu em casa, enquanto dormia. Escrevia um livro de poesia chamado “Biografía para encontrarme”.
Nasceu no departamento de Tacuarembó, o maior departamento do Uruguai, localizado na região central do país, e teve que trabalhar desde muito jovem para ajudar a família. Em uma loja de peças para automóveis, em escritórios administrativos do Estado. Aos 25, entrou para a Marcha, publicação semanal emblemática da qual foi diretor literário. Durante quase 30 anos, até o começo da ditadura militar no Uruguai (1973), publicou dezenas de obras, entre as quais Poemas de la oficina, Montevideanos, La víspera indeleble, Sólo mientras tanto, La Tregua, Gracias por el fuego.
O vice-presidente uruguaio, Rodolfo Nin Novoa, o escritor Mario Delgado Aparaín, o subsecretário de Educação,
Felipe Michelini, o presidente Tabaré Vázquez e o senador
Danilo Astori, preferido de Tabaré para a sucessão, velam o corpo de Benedetti
Crítico
O poeta fez parte de uma geração de intelectuais comprometidos com seu tempo e fortemente críticos de um Uruguai que, segundo eles, vivia olhando para trás, com saudades do passado de ouro da “Suíça da América”. No poema “Soy un caso perdido”, advertiu que apesar das recomendações de críticos e governos, continuaria escrevendo “contos e poemas e ensaios e canções e novelas não neutros”, mesmo que “não tratem de torturas, prisões e outros temas que parecem insuportáveis para os neutros”. “Será assim mesmo que falem de mariposas, nuvens, duendes e peixinhos”, avisava.
Passou dez anos no exílio, na Argentina, Cuba e Espanha. Sempre defendeu o governo de Fidel Castro. Em 2007, recebeu a Ordem Francisco Miranda das mãos do presidente venezuelano Hugo Chávez, que o classificou como um dos “imprescindíveis” para falar de Bertold Brecht.
Na década de 90, começou a receber vários prêmios: Reina Sofía de Poesía Iberoamericana em 1999, José Martí em 2001, Internacional Menéndez Pelayo em 2005. Foi também nomeado cidadão ilustre de Montevidéu em 2002.
Foi otimista durante toda a vida, mas em uma entrevista publicada pelo jornal espanhol El País, um ano antes de sua morte, mostrou-se preocupado com o rumo que o mundo está tomando. E apesar de ter dialogado com Deus em mais de um poema, sempre a recriminá-lo, lamentou não ter uma religião.
Poeta “universal”
Os pêsames por sua morte chegaram de todo o mundo. O escritor português José Saramago o chamou de “poeta universal”. Os críticos o chamavam de brega ou excessivamente politizado, mas seus poemas estão na memória de tantos uruguaios, não importa o nível econômico ou cultural.
O enterro será amanhã (19) de manhã. Hoje, o corpo foi velado no Salón de los Pasos Perdidos do Palácio Legislativo. Lá estiveram desde o presidente da República, Tabaré Vázquez, até uma série de leitores que formaram uma tranquila e constante fila.
Uma senhora manuseava timidamente uma bandeira da Frente Ampla, mas não se animou a coloca-la sobre o caixão. Benedetti integrou a coalizão governista de esquerda desde a fundação.
Muito silêncio, mas poucas lágrimas, como se a tristeza não estivesse permitida. Como se tivessem que fazer como Mario, que convocava a defender a alegria como uma trincheira. A defendê-la das ausências transitórias, e das definitivas.
Montagem com as capas das edições de hoje dos jornais uruguaios
Para entender um pouco do que saía da pena do poeta, leia o poema ¿Por qué cantamos?, da obra “De Retratos y Canciones”.
Si cada hora viene con su muerte
si el tiempo es una cueva de ladrones
los aires ya no son los buenos aires
la vida es nada más que un blanco móvil
usted preguntará por qué cantamos
si nuestros bravos quedan sin abrazo
la patria se nos muere de tristeza
y el corazón del hombre se hace añicos
antes aún que explote la vergüenza
usted preguntará por qué cantamos
si estamos lejos como un horizonte
si allá quedaron árboles y cielo
si cada noche es siempre alguna ausencia
y cada despertar un desencuentro
usted preguntará por qué cantamos cantamos
porque el río esta sonando
y cuando suena el río
cantamos porque el cruel no tiene nombre
y en cambio tiene nombre su destino
cantamos porque el grito no es bastante
y no es bastante el llanto ni la bronca
cantamos porque creemos en la gente
y porque venceremos la derrota
cantamos porque el sol nos reconoce
y porque el campo huele a primavera
y porque en este tallo, en aquel fruto
cada pregunta tiene su respuesta
cantamos porque llueve sobre el surco
y somos militantes de la vida
y porque no podemos ni queremos
dejar que la canción se haga ceniza
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