Na segunda parte da entrevista concedida ao Opera Mundi, Jose Luis Patrola, professor de História, membro do MST (Movimento Sem-Terra) e coordenador do programa de cooperação entre a Via Campesina do Brasil e organizações camponesas do Haiti, fala da presença do movimento brasileiro no Haiti, que data de 2009. De acordo com ele, a já debilitada agricultura haitiana sofreria ainda mais se fosse instalado um modo de produção intensivo.
Como é a ação do MST no país?
O MST desenvolve, desde 2009, um importante programa de cooperação com as organizações camponesas do Haiti, fortalecendo novas técnicas de produção e apoiando métodos organizativos capazes de reforçar a capacidade e força do movimento camponês. Nosso espírito solidário aumentou com o terremoto. Estamos preparando uma equipe com 30 pessoas que trabalharam durante um ano lá, ensinando às diversas organizações camponesas noções de agroecologia, a construir casas, cisternas para armazenar água, a plantar hortas, produzir sementes e um programa de reflorestamento frutífero.
Qual foi sua estratégia de trabalho depois do terremoto, já que muitos haitianos estão voltando para suas terras?
Estabelecemos como estratégia reforçar a ajuda aos camponeses no que se refere ao meio ambiente, à produção de alimentos e à organização social. Os problemas do campo já eram graves antes do terremoto. Agora, com o êxodo urbano, a situação se agrava ainda mais. Dessa forma, ajudar o setor camponês significa atacar o programa pela raiz. Nesse sentido, convocamos os governos solidários do mundo para que ajudem a reconstruir o Haiti, não se esquecendo da população camponesa. Sem os camponeses, tudo o que for feito será insuficiente e paliativo.
Vocês recebem ajuda de governos estrangeiros?
Em 2010 não tivemos ajuda do governo brasileiro. Viemos com nossos próprios e escassos recursos. Fizemos um trabalho de diagnóstico e propusemos uma série de medidas. Muitas delas apresentamos ao governo Lula e esperamos efetivar um programa de produção de sementes, de construção de cisternas em conjunto com o MST e as organizações camponesas do Haiti.
Existe uma pressão dos grandes países doadores para estabelecer uma agricultura intensiva e a introdução de agrocombustiveis?
Existem boatos de que, motivadas pelos efeitos do terremoto e as necessidades que surgiram no meio rural, empresas produtoras de sementes tentariam controlar esse mercado. Em 2009 houve uma forte campanha contra os agrocombustiveis. Há o temor de que muitas terras usadas para a produção de alimentos se transformem em centros produtores de agrocombustivel. Isso aumentaria ainda mais a vulnerabilidade do setor camponês e a fome. Acredito que a mobilização social haitiana e a opinião pública internacional não irão permitir que isso aconteça. Os camponeses salvaram centenas de milhares de pessoas do terremoto e agora precisam de ajuda para se organizar e produzir alimentos para toda a população. Desenvolver o agronegócio, em qualquer de suas formas, significaria nessas terras semear a morte.
Quais são os principais riscos para a agricultura haitiana?
O maior risco para o campo haitiano é sofrer com a incapacidade de produzir alimentos para a sua própria subsistência e para oferecer à população urbana. Por outro lado, se esse país não alterar urgentemente o nível de vida dos camponeses pobres que desmatam a pouca reserva florestal existente em busca de alguma fonte de renda, os ciclones e furacões serão cada vez mais devastadores O Haiti tende a desaparecer se esses problemas estruturais não forem resolvidos. Aqui, vivemos sobre uma permanente ameaça de uma tragédia demográfica sem precedentes.
É fácil introduzir a lógica da produção em cooperativa no país?
Historicamente os camponeses sempre desenvolveram técnicas de cooperação. Com a introdução do capitalismo, essas técnicas foram substituídas pelo individualismo. Felizmente, no Haiti muitas dessas técnicas prevalecem e os camponeses são muito solidários no trabalho produtivo. Deveremos fortalecer essas experiências sem pensar que somos melhores que eles. Esse povo tem uma história e uma cultura que devem ser respeitadas.
O senhor acha que o terremoto pode ser, do ponto de vista da agricultura, um novo ponto de partida?
Deveremos ver o terremoto como uma ocasião para reconstruir um país, que ruiu. As ruínas do Haiti foram apenas agravadas pelo tremor de terra. Não é de hoje que essa pequena ilha, super populosa, clama por ajuda estrutural. Ou ajudamos a reconstruir esse país ou poderemos ser testemunhos de novas tragédias sem precedentes como a ocorrida no dia 12 de janeiro de 2010.
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