Sexta-feira, 18 de abril de 2025
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Se a reação norte-americana aos ataques de 11 de Setembro de 2001 foi negativa para os países árabes – principalmente Afeganistão e Iraque – e o próprio Estados Unidos, o mesmo não pode ser dito sobre o Brasil e seus vizinhos. Essa é a opinião de Mark Weisbrot, codiretor do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas (CEPR), em Washington DC, para quem a América do Sul saiu lucrando na última década, pois os EUA estavam ocupados com as guerras além-mar. 

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CEPR/Divulgação



Weisbrot: EUA vão ter que aceitar que o Brasil é um país independente agora



Naquele fatídico dia, Weisbrot estava voando da África do Sul para Washington. Após ser avisado dos ataques, o piloto desviou a rota e posou em Atlanta, na Geórgia. “Assim que soubemos o que havia acontecido, fiquei pensando no horror do ataque, como seria estar dentro de um daqueles prédios ou aviões e ser morto daquele jeito”, disse. Ele e um amigo alugaram um carro e dirigiram até a capital dos EUA.



Weisbrot, um dos maiores críticos da “guerra ao terror” norte-americana, conversou com Opera Mundi sobre os 10 anos dos ataques e analisou a política externa de Washington após aquela manhã de terça-feira. “A ampla maioria do gasto militar dos EUA é para manter um império, incluindo centenas de bases militares pelo mundo”, disse ele, que faz dupla jornada como presidente da Just Foreign Policy, organização que tenta mobilizar a população norte-americana para mudar a política externa do país. 

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Depois do 11 de Setembro, o Oriente Médio virou o protagonista e a América Latina perdeu espaço na agenda de política externa norte-americana. Isso foi positivo ou negativo para a região?

Não há dúvida de que América Latina aumentou extremamente sua independência na última década porque os EUA estavam engajados em guerras no outro lado do mundo. Em 2002, o departamento de Estado norte-americano tentou derrubar Hugo Chávez, e falhou. Mas os EUA apoiaram, em 2009, um golpe em Honduras que acabou com a democracia, e também tiraram um líder eleito democraticamente no Haiti, em 2004. Logo, os países menores e mais pobres ainda sofrem. Eles não são suficientemente independentes para eleger seus próprios governos se Washington desaprova os resultados eleitorais.

Mas a América do Sul, principalmente, está agora mais independente dos EUA do que a Europa. Isso é algo inédito na história ocidental.


Então, o Sr. acredita que os ataques de 11 de setembro podem ter alguma relação com o recente aumento do crescimento econômico da América do Sul?

Sem dúvida. A independência tem contribuído para aumentar o crescimento econômico da região na última década. Isso vale para Argentina, Bolívia, Venezuela e também o Brasil. Basta lembrar que o país, que costumava se sujeitar às ingerências dos programas do FMI e outras políticas neoliberais encorajadas pelos EUA, viu o PIB per capita crescer apenas 3.5% nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso.


Apesar de ter conquistado uma maior independência dos EUA e ter crescido consideravelmente na última década, o Brasil continua dependendo da exportação de commodities. Qual seria a estratégia ideal para que o país continue crescendo, sem perturbar essa independência recém-conquistada?

Acho que o Brasil precisa de uma estratégia de desenvolvimento e industrialização. O país está com um problema similar ao dos EUA: o setor financeiro é muito grande e poderoso politicamente. Como os EUA já são ricos, sofremos menos do que o povo de um país em desenvolvimento como o Brasil. Apesar disso, seguimos sofrendo aqui nos EUA essa crise de desemprego e a recuperação lenta da economia.

No Brasil, você pode ver este problema agora com o alto valor do real e o dano causado na indústria. Isso acontece porque o Banco Central brasileiro usa a taxa de câmbio como mecanismo para controlar a inflação. Nós da CEPR inclusive escrevemos um artigo sobre isso há pouco tempo. 

O Banco Central está agindo de acordo com os interesses dos grandes bancos e não está levando em consideração os interesses do resto da economia. O Brasil precisa definir sua política monetária, fiscal e de câmbio, ou seja, sua política macroeconômica, de maneira consistente com o desenvolvimento econômico. Se não fizer isso, o país vai se tornar cada vez mais dependente da exportação de commodities agrícolas e terá que encarar outros problemas associados com a moeda supervalorizada. O crescimento vai ficar limitado. 

Wikicommons



“Não há dúvida de que a resposta dos EUA ao ataque prejudicou a imagem do país no resto do mundo”, diz Weisbrot

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Fala-se muito sobre a política do “soft power” brasileira que, apenas recentemente, chamou a atenção dos EUA. Enquanto Washington estava ocupado bombardeando outros países, o Brasil se tornou uma potência regional. A independência e o poder recém-conquistados do governo brasileiro podem atrapalhar a relação com os países do Ocidente?

Os EUA vão ter que aceitar que o Brasil é um país independente agora. Washington não gosta disso, mas não há muito o que fazer. E, fora de Washington e, claro, Israel, as políticas independentes do Brasil em relação ao Irã, ao Oriente Médio e ao mundo árabe – por exemplo – não são consideradas um problema.

Mas os EUA ainda têm diversas bases militares na América Latina. Qual é a tendência para os próximos anos?

Os EUA já perderam a base de Manta, no Equador. Eles continuam com Honduras, mas apenas por causa de um golpe militar e uma repressão política violenta. Eventualmente, Honduras deve conseguir fazer uma nova constituição, proibindo bases estrangeiras, como fizeram Equador e Bolívia. Se a guerra na Colômbia acabar, ou mesmo antes disso, o governo norte-americano pode perder suas bases lá também. Então, a tendência é os EUA se retirarem. Esta tendência ainda é forte. Mas, até quando e até onde, é difícil prever.

Como estava a economia norte-americana no 11 de Setembro?

Ela já estava fraca. O país estava sofrendo a explosão da maior bolha da história dos EUA até aquele momento (a bolha de ações de empresas de internet na Nasdaq, que começou a estourar em março de 2000). De acordo com dados oficiais (do National Bureau of Economic Research), a recessão na economia começou em março de 2001 e terminou em novembro do mesmo ano. Então, é difícil dizer se os ataques tiveram muito efeito naquele momento.

Wikicommons



De acordo com Weisbrot, a economia dos EUA no 11 de Setembro já estava fraca

Pouco mais de dois anos depois do ataque, Bin Laden disse: “Nós prosseguimos com esta política de sangrar a América até o ponto da bancarrota”. Ele estava certo em acreditar que ataques terroristas poderiam levar os EUA à falência?

Não, o que ele disse não faz sentido. Os EUA estão longe da falência. E é difícil imaginar que isso possa acontecer nos próximos dez ou 20 anos, ou mesmo depois disso. Por outro lado, acho que ele conhecia os EUA tão bem quanto um bom estudante de política externa. Ele sabia que seu movimento ganharia força depois dos ataques. Expliquei isso numa coluna que escrevi para o The Guardian quando ele morreu.

O Sr. acredita que, mesmo não levando os EUA à falência, os ataques da Al-Qaeda foram um tiro certeiro na política dos EUA e em sua imagem internacional?

Não há dúvida de que a resposta dos EUA ao ataque prejudicou a imagem do país no resto do mundo. Ocupamos países muçulmanos, usando prisões secretas e tortura indiscriminada de suspeitos, além de cometer outros abusos coletivos de direitos humanos. E a imagem negativa vai continuar enquanto os EUA forem um império.


O Sr. acredita que há uma ligação entre a atual crise da dívida no Congresso, o aumento das despesas militares e os ataques de 11 de setembro?   

Acho que não. Em primeiro lugar, não há chance de os EUA darem calote. O governo pode pagar a dívida com sua própria moeda, o dólar norte-americano, logo não pode calotá-la. Tudo o que foi visto foi teatro político. E o rebaixamento da S&P é obviamente um ato político. A agência não merece qualquer credibilidade.

Quanto aos ataques de 11 de Setembro, eles foram usados pelo governo como pretexto para lançar duas guerras e ocupar outros países, aumentando o gasto militar. Essas guerras são caras e, claro, aumentaram o déficit. Mas, em 2007, o último ano antes da recessão, nosso déficit era de apenas 1.2% do PIB. Naquele momento, tínhamos as guerras e os cortes de imposto do Bush. A maior razão para o déficit estar alto agora (9.3% do PIB) é a recessão, o que reduz a receita pública e aumenta o gasto do governo.

Mas, desde o ano dos ataques, os gastos militares cresceram 81%. No ano passado, o governo gastou seis vezes mais com militares do que o governo chinês, o segundo lugar no ranking mundial. Mais: enquanto o orçamento federal aumentou 91% na última década, o orçamento da defesa nacional cresceu 137%. Qual a sua opinião sobre estes números?

Estes números não estão 100% corretos. Poderia falar sobre eles, mas o mais importante é que eu não chamaria esse gasto de gasto de defesa. Eles não estão me defendendo. Eu moro na capital norte-americana, Washington DC, e o governo tem tornado minha vida menos segura ao aumentar o risco de um ataque terrorista.

Se o nosso governo estivesse interessado realmente em apenas defender o país, nosso orçamento de defesa seria uma pequena fração do que é hoje. A ampla maioria do gasto militar é para manter um império, incluindo centenas de bases militares pelo mundo. Os EUA não tiveram uma única guerra nos últimos 60 anos que poderia ser considerada honestamente uma ação para garantir a segurança do povo norte-americano. Há dezenas de milhões de cidadãos que entendem isso e a maior parte do povo é quase sempre contra começar qualquer guerra. Bill Clinton disse certa vez que, se houvesse um referendo cada vez que o governo quisesse enviar tropas ao exterior, nenhum soldado sairia do país. Mas o povo não tem influência suficiente sob as decisões da política externa do governo.


Desta vez, analistas acreditam que os EUA possam dar um segundo mergulho, antes mesmo de terem se recuperado da última crise. Qual é a sua opinião sobre esse quadro?

Discordo dele. Se nós analisarmos as últimas cinco recessões, as últimas duas foram causadas por explosão de bolhas (mercado imobiliário e mercado de ações) e as três crises anteriores foram causadas pelo Banco Central dos EUA, que aumentou as taxas de juro com a intenção de diminuir a velocidade do crescimento da economia. Não há nenhuma bolha neste momento e o Banco Central não vai aumentar as taxas de juros tão cedo. Mas há um risco: uma grande crise financeira na Europa poderia causar um estrago significativo nos dois lados do Atlântico. Só que o golpe não seria tão forte quanto o que vimos no período 2008-2009.

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América do Sul saiu lucrando após atentados nos EUA, diz Mark Weisbrot

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