A autorização que a OMC (Organização Mundial de Comércio) deu ao Brasil para retaliar os Estados Unidos por conta dos subsídios ao algodão não se transformará obrigatoriamente em atitudes contra os norte-americanos, segundo fontes do governo e do setor industrial.
Após seis anos da disputa causada pela política norte-americana de conceder benefícios irregulares a cerca de 25 mil produtores de algodão, o organismo autorizou Brasília ontem (31) a sancionar Washington em pelo menos 294,7 milhões de dólares ao ano. O governo brasileiro, no entanto, ainda não decidiu se optará pela política de retaliações ou se vai esperar até que a administração do presidente Barack Obama adote outra postura.
Uma das razões para as dúvidas é o tipo de penalidade solicitada pelo Brasil e aprovada pela OMC: a retaliação cruzada. Se for aplicada, o comércio e a produção agrícola não serão afetados, mas sim outros setores. Entre esses, ficam serviços financeiros, comunicação, construção, distribuição, turismo e propriedade intelectual.
Para propriedade intelectual, uma sanção aplicável é a quebra de patentes. Nesse caso, empresas brasileiras estariam autorizadas a fabricar produtos de empresas norte-americanas antes que o prazo estabelecido pela patente expire. A indústria farmacêutica é uma das áreas que seriam afetadas, de acordo com os especialistas.
No caso dos serviços financeiros, os bancos dos Estados Unidos ficariam impedidos de investir ou de se estabelecer no mercado brasileiro.
Apesar de serem setores muito importantes para os Estados Unidos, o governo brasileiro teme efeitos negativos sobre a economia nacional e sobre o consumidor caso aplique a retaliação – em especial por conta do risco de aumento da inflação, já que a indústria têxtil do país deixaria de importar o produto dos norte-americanos e teria de buscá-lo em outros lugares, com risco de encarecimento da operação.
Avaliação
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não sabe como aplicaria as retaliações no caso de decidir a favor da medida, uma vez que as restrições afetariam outros setores. É o caso dos bancos, lembrou o diretor de negociações internacionais da Fiesp (Federação de Indústrias do Estado de São Paulo), Mario Marconini, que não estão envolvidos diretamente no embate da comercialização do algodão.
“Nessa retaliação a gente está brincando com fogo. Os setores afetados são muito sensíveis”, disse ao Opera Mundi.
Não seriam reduzidos apenas os investimentos nos bancos brasileiros, mas também na pesquisa científica, embora algumas empresas nacionais pudessem ocupar o espaço deixado sem os direitos garantidos pela patente. “Isso atrairia menos investimentos na área”, pontuou.
Para o embaixador Pedro Luiz Carneiro de Mendonça, subsecretário geral de Assuntos Econômicos e Tecnológicos do MRE (Ministério das Relações Exteriores), apesar do histórico negativo de negociações com os Estados Unidos, “a retaliação é o último recurso a ser adotado”, e o que resta agora é o Brasil decidir o que vai fazer com o direito concedido.
“A expectativa é que o cumprimento [a suspensão de subsídios para o algodão] já tivesse ocorrido. Até agora isso não aconteceu. Se vier alguma proposta, o que ainda não aconteceu, terá que ser examinada minuciosamente”, afirmou o embaixador ao Opera Mundi.
As retaliações podem beneficiar alguns setores, mas também trazer prejuízos a negociações bilaterais que não têm relação com a produção e comercio de algodão, avalia o diretor de negociações internacionais da Fiesp.
A expectativa é que a decisão de sancionar ou não os Estados Unidos seja tomada junto com os empresários dos setores envolvidos, disse Mario Marconini.
Dada a autorização, o próximo passo é reunir os representantes setoriais com o governo para discutir a questão. O embaixador afirmou que “o que cabe agora é continuar trabalhando com vistas a estruturar essa nossa documentação para retaliação” e conversar com os potenciais atingidos caso as sanções sejam aplicadas.
“O que interessa é a razão dada ao Brasil, o direito que o país tem agora”, disse Mendonça, ao lembrar que o valor autorizado pela OMC é o segundo maior da história da instituição.
Para Marconini, é importante lembrar que “o objetivo da retaliação não é retaliar, mas sim fazer com que os Estados Unidos respeitem uma determinação comercial com a própria ameaça de sanção. A retaliação é para resolver o problema”.
“Tiro no pé”
Apesar de industriais e integrantes do governo não estarem certos quanto às vantagens da política de retaliação, a diplomacia brasileira está certa de que o melhor caminho não é esperar, mas sim fazer com que Washington elimine as subvenções. Segundo o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, os vetos não devem ser definidos de forma emocional, nem significará “um tiro no pé”, e terá de “machucar” os Estados Unidos.
Amorim garantiu hoje em entrevista coletiva em Brasília que uma “listinha” de bens, serviços e patentes que estarão sujeitos a sanções será negociada pelo Itamaraty com o Ministério da Saúde e com a Camex (Câmara de Comércio Exterior) e estará pronta em breve.
Já o embaixador e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero defendeu em um seminário sobre política externa do Brasil que “discriminar contra produtos americanos é como dar um tiro no próprio pé”. Segundo ele, é muito difícil sancionar um país como os Estados Unidos porque há interesse em manter comércio com esse país.
“É o mercado para o qual nós exportamos mais produtos sofisticados e de alta tecnologia, como aviões da Embraer, automóveis entre outros industrializados”, disse Ricupero.
Histórico de tentativas
Embora haja a possibilidade de problemas para outros setores no caso das retaliações, o Brasil está no direito de exercer sua posição na OMC, avalia o diretor de negociações internacionais da Fiesp.
“O Brasil já teve paciência com os Estados Unidos, esperando a Rodada Uruguai para ver se respeitariam as normas”, disse. A Rodada do Uruguai promoveu negociações de setembro de 1986 e até abril de 1994 e teve como um dos objetivos reduzir os subsídios agrícolas. De um relatório final da rodada surgiu o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (conhecido como GATT) na OMC, considerado um dos maiores acordos comerciais da história. Entre os participantes estavam países europeus, Estados Unidos, Argentina, Brasil e Austrália.
Até então o Brasil não tinha autorização para aplicar sanções contra os Estados Unidos por conta dos subsídios do algodão. A briga existe desde em 2002 e, apesar de várias condenações, o governo norte-americano jamais cumpriu a determinação da OMC de retirar os subsídios ilegais ao algodão.
Os Estados Unidos são os terceiros maiores produtores mundiais de algodão (depois de China e Índia). Em 2009, tornaram-se os maiores exportadores, com 2,9 bilhões de dólares, e detêm uma fatia de 39% do mercado mundial desde 2001.
O caso Embraer-Bombardier
Não é a primeira vez que o Brasil é autorizado pela OMC a aplicar sanções. Em 2003, o país foi autorizado a sancionar o Canadá por subsídios de 1,1 bilhão de dólares em um financiamento concedido à companhia norte-americana Air Wisconsin para comprar jatos da fabricante de trens e aviões canadense Bombardier.
A disputa no setor da aviação era antiga. Em 2000, a OMC havia concedido autorização ao Canadá para retaliar o Brasil por subsídios mantidos em dois tipos de aviões regionais exportados na época pela Embraer.
O prazo para retaliações recíprocas já se encerrou e os países optaram por negociar em vez de aplicar sanções, já que outros setores seriam afetados, e não o da aviação.
Leia mais:
Conheça mais sobre a decisão contra os subsídios ao algodão
NULL
NULL
NULL