Antes de ser seqüestrada com Ingrid Betancourt e durante seus primeiros anos de cativeiro, Clara Rojas foi invisível para a imprensa, ao contrário da companheira, cuja carreira política e atenção da França graças à sua dupla nacionalidade lhe davam amplo destaque.
Quando se conheceram nos anos 1990, as duas mulheres trabalhavam juntas para o governo colombiano. Rojas foi se envolvendo pouco a pouco com o projeto político de Betancourt e se tornou uma de suas colaboradoras mais próximas. Em 23 de fevereiro de 2002, em plena campanha eleitoral de Ingrid pelo seu partido Verde Oxígeno, Clara decidiu acompanhá-la em uma perigosa viagem a San Vicente del Caguán, uma região do país que o então presidente Andrés Pastrana (1998-2002) havia liberado de operações militares para negociar com a guerrilha.
“Eu achava que devia dar exemplo de amizade e lealdade e enviar uma mensagem ao grupo de uma liderança compartilhada. Sobretudo, pela debandada que estávamos vivendo no partido. Minha reação foi uma quixotada e uma estupidez flagrante”, desabafa a autora no livro “Cautiva” – relato dos tempos de cativeiro, lançado em abril na Colômbia – ao abordar que a relação entre as amigas se transformou em indiferença e silêncio logo no primeiro ano de retenção. E explica: “Havia um questionamento meu, pessoal, sobre por que e como tinha ido parar lá. E isso gera situações. No meu caso e no da Ingrid, foi o silêncio. Eu decidi não reclamar nada. Foi decisão minha viajar, então pra quem vou reclamar? Agora é claro que entendo que são as Farc também as responsáveis pelo fim da nossa amizade”.
Capa de “Cautiva” – Divulgação
O momento mais difícil do capítulo amizade foi quando Betancourt não aceitou a decisão da amiga de ter o filho, e as duas romperam relações – coisa que Clara não comenta no livro. Ao ser liberada seis meses depois de Clara, Ingrid deu entrevistas nas quais insinuou que a amiga havia enlouquecido durante o cativeiro e tentado afogar seu bebê num rio, coisa que ela impediu. Enfurecida com a declaração, Clara a acusou de ter duas caras em entrevista à rádio colombiana RCN. “Ingrid tem algo de teatro… Há coisas nela que me assustam, especialmente a incapacidade de colocar certos limites. Porque ela é uma coisa diante da imprensa e outra em sua situação pessoal”, disse.
Entre os demais seqüestrados, a reação tampouco foi positiva quando descobriram que Clara estava grávida. “Houve uma situação de tensão. Estávamos isolados, encarcerados, temendo a presença dos guerrilheiros e também do Exército. Além disso, tinha as doenças físicas e a dor natural de cada um. As pessoas se assustaram com a notícia. ‘Além de que estamos vivendo tudo isso, essa mulher grávida’, pensavam”, diz usando sua melhor diplomacia.
Em uma entrevista à Vanity Fair, anterior ao lançamento de “Cautiva”, seu companheiro de cativeiro Luis Eladio Pérez afirmou que Clara sentiu a pressão de seu relógio biológico e por isso decidiu ter o bebê, inclusive pensando que assim seria liberada pela guerrilha – fato que ela, de alguma maneira, chega a assumir no livro. Mas o ex-congressista, muito mais próximo a Ingrid Betancourt, com quem teve uma relação amorosa durante o seqüestro, deu novas declarações, como a que um comandante das Farc lhe revelou que um guerrilheiro havia sido morto por ter relações sexuais com Clara. “São versões dele, não entendo porque as divulga. Fico surpresa”, diz Rojas, acrescentando que quer ficar fora de polêmicas. “Quantos milhões de pessoas hoje estão pensando na minha vida? Não posso responder tudo, certo?”.
Mulher valente
Para Ana Teresa Bernal, membro da Comissão Nacional de Reparação e Reconciliação (CNRR), Clara tem o direito de contar sua história. Inclusive, “ao viver esses momentos dramáticos do parto e depois da separação do bebê, ela tem a chance de relatar a experiência do seqüestro em outro nível”, afirma a atual presidente da Rede Nacional de Iniciativas pela Paz (Redepaz) ao Opera Mundi.
Ana Teresa, que encontrou Clara Rojas em algumas ocasiões antes e depois do seqüestro, é daquelas pessoas que preferem se concentrar nos fatos, mais do que em suas motivações. “Sempre admirei sua lealdade como companheira que ficou ao lado de Ingrid Betancourt quando a situação política era frágil e, além disso, havia um enorme risco de seqüestro. O episódio da gravidez e de ter o filho na selva a torna, sem dúvida, uma mulher ainda mais valente e destacada”, opina.
Vida nova
“Estou feliz, porque essa é minha tarefa cumprida. Meu compromisso era entregar o livro à editora e estar presente nos lançamentos. É um trabalho que me faz sentir alívio, porque, além de terminado, permite que eu vire essa página difícil da minha história”, explica Clara com uma expressão serena. Seu plano agora é desfrutar a vida familiar, especialmente com o filho, e colaborar, longe do governo de Uribe e de maneira civil, com as liberações daqueles que ainda estão seqüestrados pelas Farc, de quem jura não sentir raiva (ao contrário de Ingrid Betancourt). “Para mim, as Farc continuam sendo o que eram antes: um grupo autista, que vive lá na selva, como se o resto do mundo não existisse”.
Por hora, o compromisso é viajar pelos países onde “Cautiva” está sendo lançado com a sensação de que está pronta para começar uma vida nova. Para a neo-escritora, as reações ao seu primeiro livro (ela tem planos de escrever outros futuramente, sobre temas que lhe interessam, como ecologia o aquecimento global) são, em sua maioria, positivas. É provável, entre aqueles que o leram e que esperam de um ex-seqüestrado exatamente o que oferece Clara em seu relato: sofrimento destilado, comedido. Elegância à francesa.
* No exterior, “Cautiva” já está circulando em seis idiomas diferentes, incluindo o francês, o alemão e o português para o público de Portugal. No Brasil, o título ainda não há data de lançamento definida.
Leia a primeira parte do perfil:
Seis anos presa na selva e nenhuma seqüela aparente
Leia na íntegra o perfil de Clara Rojas
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