A desigualdade entre jovens e ricos na Argentina aumentou na última década, de acordo com dados divulgados essa semana pela Pesquisa Nacional da Juventude, feita em parceria com a consultoria argentina Ibope. Conforme mostra o estudo, que entrevistou 1.228 argentinos entre 18 e 29 anos, em 2008, os mais pobres têm mais dificuldade para concluir o Ensino Médio e enfrentam problemas como o desemprego e a gravidez precoce.
“Quando você conversa com um desses jovens e pergunta o que ele quer, a primeira coisa que diz é: educação”, afirmou ao Opera Mundi Alberto Croce, presidente da Fundação SES (Sustentabilidade Educação e Solidariedade).
Mais de 80% daqueles que abandonaram os estudos e não terminaram o Ensino Médio pertencem aos setores mais pobres da população argentina. Nos setores com maior poder aquisitivo, essa porcentagem é de 1%. Dos nove milhões de jovens do país, há 900 mil em idade escolar sem estudar.
Segundo Croce, os motivos são falta de dinheiro para o transporte, dificuldade para conciliar o estudo com o trabalho e o desinteresse pela escola.
“O que para alguns é o melhor momento da vida, repleto de oportunidades, para outros é uma trajetória com obstáculos, sem perspectivas. Lamentavelmente é a realidade da maioria do país”. Na Argentina, seis em cada dez jovens integram os setores mais pobres. “É um problema geral, mas que é mais agudo na capital e nas grandes cidades”, lembra Croce.
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Há dez anos a situação dos jovens na Argentina não era assim. Pesquisa divulgada em 1999 mostrava que 31% do total não tinham nenhuma necessidade básica satisfeita, e os que não estudavam ou trabalhavam eram 13%.
As razões para o aumento da brecha entre os jovens não são recentes, afirmou o cientista político Sergio Berensztein, da Poliarquía Consultores. “Desde os anos 1980 a Argentina enfrenta uma crise educacional, que se aprofundou na última década, e acabou gerando menos oportunidades”, disse.
Berensztein se refere às políticas impulsionadas pelos governos argentinos entre 1989 e 2001, como reforma dos regimes trabalhista, salarial e previdenciário dos docentes e uma série de modificações na estrutura do sistema educacional.
Em 1989, durante o governo de Raul Alfonsín, as leis trabalhistas foram alteradas e os direitos garantidos aos docentes diminuíram. O tempo de trabalho mínimo de aposentadoria para a categoria aumentou e o valor recebido, reduzido.
Em relação ao sistema educacional, foram aprovadas duas leis que promoveram alterações. Uma delas transferiu a administração do Ensino Médio, sob jurisdição nacional, às províncias, o que diminuiu a quantidade de verba repassada. A outra lei permitia a privatização de algumas escolas, além de reformular a grade visando a orientar a educação para a “empregabilidade”.
Outro fator, segundo Berensztein, são as correntes migratórias vindas do interior, da zona rural, em direção à capital Buenos Aires, o que faz com que esses jovens trabalhem em indústrias não sustentáveis, ou por salários ruins, na informalidade.
A crise interna e a crise econômica mundial pelas quais a Argentina passa também contribuem para piorar a situação, embora não sejam a causa dela. “Os jovens são os mais vulneráveis economicamente a uma recessão”, lembra Croce.
Trabalho e sexualidade
Depois do acesso à educação, a falta de oportunidades para ingressar no mercado de trabalho e de aulas de orientação sexual, “principalmente entre as meninas”, que ficam grávidas muitos cedo, são outras queixas ouvidas por Croce.
No grupo entre 18 e 24 anos, os jovens dos setores mais ricos que nunca trabalharam são mais que o dobro dos mais pobres, enquanto mais da metade dos jovens dos setores baixo e médio estão trabalhando. Entre os ricos, menos de 40% trabalha.
Os jovens mais pobres têm filhos mais cedo do que os mais favorecidos economicamente: um terço deles teve bebês antes dos 20 anos. Nos setores médios, esse número se reduz à metade e entre os mais ricos chega a 4%. A proporção de mulheres que tiveram filhos antes dos 18 anos é muito maior que o dos meninos: 16% contra 3%, respectivamente.
Novas tecnologias
As diferenças também se refletem no acesso às novas tecnologias: cerca de 80% dos jovens mais pobres não têm acesso ao computador e à internet. Nove em cada dez com melhor nível socioeconômico acessam diariamente a rede.
“A possibilidade de participar em diferentes espaços da vida pública e social e até de buscar melhores oportunidades são comprometidos”, concluiu Croce.
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