Apesar de o governo da Colômbia ter adotado medidas que buscam levar segurança, apoio financeiro e justiça às populações que vivem em áreas consideradas de risco, a violência e a impunidade são extensas, afirma um relatório do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas). Todavia, a pior constatação feita pelo grupo de analistas é a de que os maiores atingidos são também os mais indefesos: crianças.
Entre 1997 e 2008, pouco mais de 2,93 milhões de pessoas tiveram que sair de onde moravam para fugir dos altos níveis de violência. Desse número, um milhão eram crianças. Fontes não governamentais citam números maiores.
Em fevereiro de 2008, por exemplo, o ELN (Exército de Libertação Nacional) colocou minas explosivas no município de Samaniego, estado de Nariño, limitando a circulação de três mil pessoas de diferentes comunidades. A população, incluindo crianças, sofreu com uma grave escassez de alimentos e as escolas locais foram obrigadas a fechar. A situação só melhorou depois que as Forças Armadas colombianas conseguiram tirar as minas do local, mas ainda assim aos menos 151 pessoas, entre as quais 69 crianças, fugiram com medo de represálias.
Segundo o informe, datado de 21 de dezembro de 2007 e divulgado ontem (8), a fuga dos locais mais violentos em muitos casos é o único meio que as famílias possuem de salvar seus filhos do recrutamento forçado pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) ou por outros grupos paramilitares, onde seriam usados como combatentes e escravos sexuais.
O número estimado de crianças recrutadas no total oscila entre oito mil, segundo o Ministério da Defesa, e 11 mil, segundo fontes não governamentais. Em 1999, as Farc se comprometeram a não recrutar jovens menores de 15 anos. Entretanto, a idade média dessas crianças tem diminuído: em 2002, era de 13,8 anos, e passou para 12,8 anos em 2006, de acordo com estudo da Defensoria do Povo da Colômbia com o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).
Em maio de 2008 um grupo de 40 membros das Farc foi visto no departamento de Cauca. Do total de combatentes, metade era formada por jovens entre 13 e 17 anos. As crianças de populações indígenas estão ainda mais vulneráveis, segundo o relatório.
Governo
Em fevereiro de 2008 a polícia nacional foi acusada de infiltrar um menino de 12 anos em um grupo paramilitar no estado de Cauca. O menino recebeu ameaças de morte das Farc e acabou assassinado em dezembro de 2008 por um agressor desconhecido.
O Exército também faz interrogatórios contra crianças capturadas dos grupos ilegais e atrasam a entrega a autoridades civis – por lei, elas devem ser devolvidas até 36 horas após serem libertas. Em março de 2008, um menino recuperado das Farc ficou retido em um centro militar por cinco dias, sendo interrogado sobre suas atividades no grupo armado.
O governo colombiano adotou leis para proteger os menores, como a que proíbe o recrutamento de jovens com menos de 18 anos e também ratificou a Convenção sobre Direitos da Criança e a seus dois protocolos facultativos, que protegem contra o trabalho infantil. Além disso, também aderiu ao Estatuto de Roma, que estabelece as condições para que o país adira à Corte Penal Internacional e poderá processar colombianos por crimes de guerra a partir de novembro desse ano.
Diversas políticas de ajuda a crianças recuperadas das guerrilhas e aos refugiados de guerra também foram postas em vigor desde 1999, assim como tentativas de prever e prevenir violência contra civis em áreas de risco.
Entretanto, apesar de reconhecer os esforços do Estado colombiano em tentar proteger a infância, o relatório da ONU reconhece que, na prática, a impunidade continua sendo um problema grave a ser combatido no país.
Violência sexual
Não há números confiáveis sobre os atos de violência sexual cometidos por grupos armados contra crianças, diz o documento. No entanto, um estudo publicado pela Defensoria Pública – que investigou 183 casos de abuso sexual contra meninas – relatou que 31,2% das entrevistadas afirmaram ter engravidado e perdido o filho, muitas vezes por meio de abortos forçados. Quarenta por cento declararam que a gravidez ocorreu quando tinham entre 11 e 14 anos.
A Corte Constitucional da Colômbia publicou um ato em abril de 2008, afirmando que “a violência sexual contra a mulher é uma prática habitual, extensa, sistemática e invisível no contexto do conflito armado colombiano, assim como são a violência e o abuso sexual por parte de todos os grupos armados ilegais enfrentados”.
Jineth Bedoya, jornalista colombiana que há 12 anos cobre o conflito armado em seu país, sofreu na pele esse tipo de violência nas duas vezes em que foi seqüestrada por grupos armados.
José Huesca/EFE
Ontem, ela ajudou a ONG britânica Oxfam a lançar um informe em Madri (foto acima, ao centro) que demanda o fim da tolerância do governo e da sociedade contra crimes sexuais cometidos no conflito colombiano.
O relatório da Oxfam diz logo na abertura que “durante os 50 anos do conflito armado colombiano, a violência sexual foi usada como arma de guerra por todos os grupos armados – forças militares do Estado, paramilitares e guerrilhas – contra civis e combatentes do sexo feminino”.
“A violência sexual não é reconhecida como um delito na Colômbia, não é castigada, não se fala dela, muitas mulheres não se consideram vítimas porque não crêem ou não sabem que é um delito. E mais, não conheço uma condenação por agressão sexual nos 50 anos de conflito” disse Bedoya em entrevista ao jornal espanhol El Mundo.
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