Os ideais de trabalho bem remunerado, enriquecimento individual e ascensão social caracterizam o sonho norte-americano para milhões de imigrantes de todo o mundo. De acordo com um censo realizado em 2007 pelo U.S Census Bureau, órgão responsável, 345.535 do total são brasileiros – outras fontes sugerem 800 mil. Porém, além de metade desse montante não possuir visto de residência permanente (são os “alienígenas ilegais” como a mídia local os rotulou) e lidarem com a fiscalização, a crise econômica os atingiu em cheio.
O estado de Massachusetts abriga a segunda maior comunidade de brasileiros, com 64 mil só na região metropolitana de Boston, segundo levantamento da Universidade de Harvard. Muitos cruzaram as fronteiras com o México ou Canadá, se endividando com os “coyotes” em quantias que chegam a ultrapassar 10 mil dólares.
A crise, cujo epicentro foi o sistema imobiliário dos EUA, abalou o país com um colapso catastrófico no mercado financeiro e o nível de desemprego alcançou 10,2% em outubro passado, o mais alto dos últimos 26 anos. A situação não é muito positiva para o cidadão comum e muito menos para grande parte dos brasileiros em Massachusetts.
Sheila Kelly, natural de Vila Velha, no Espírito Santo, é um exemplo. “Tinha acabado de me formar no ensino médio, não passei no vestibular, não tinha nenhuma opção de trabalho. Rezei muito para Deus me dar a chance de vir para cá”, afirma. Seu pai, com quem não falava há um ano, já estava nos EUA ilegalmente e enviou uma modesta quantia para ajudá-la na viagem.
Residente em Boston desde 1998, Sheila atualmente trabalha como faxineira e mostra muita preocupação com o futuro da economia. “A situação está muito ruim. Ouço todo dia a história de alguém que perdeu o trabalho”.
Números divulgados recentemente pelo governo de Barack Obama indicam que o pior já passou. O índice de desemprego caiu para 10% em novembro e a venda de novas residências subiu 6,5% entre setembro e outubro. São dois indicadores importantes para a economia. No entanto, a realidade dos “brazucas de Massachusetts”, como eles mesmos se denominam, parece não ter mudado muito desde o início da recessão.
De acordo com a empresária carioca Shirlei Farber, editora de uma revista e produtora de um programa de TV dirigido à população brasileira da Nova Inglaterra (além de Massachusetts, inclui os estados de Vermont, New Hampshire, Maine e Rhode Island), ela não conhece ninguém que perdeu o emprego no começo da crise e está com atividade remunerada agora. “O trabalho que o brasileiro faz aqui, que é faxina, jardinagem e babá, por exemplo, está em baixa. Numa época de crise as pessoas fazem a própria faxina e cuidam dos seus próprios jardins e filhos”.
Retorno
A situação está levando alguns membros da comunidade a abandonar por inteiro o sonho que os trouxe aqui no princípio. “Passei 32 dias sem tomar banho e escovar os dentes”, relata André Silva sobre sua travessia na fronteira do México com o estado do Texas. Mineiro de Governador Valadares, já na chegada ele tinha uma dívida de oito mil dólares com os traficantes de imigrantes. “Tive que trabalhar dez meses só pra pagar a dívida”. Recém desempregado como garçom em um restaurante badalado no centro de Boston, não vê mais razão em persistir com suas ambições. “Eu quero voltar, assim que der eu volto”.
Fausto da Rocha, diretor do Centro do Imigrante Brasileiro em Allston, Massachusetts, calcula que 17 mil imigrantes deixaram o estado e retornaram ao Brasil nos últimos dois anos. A principal causa é a instabilidade econômica. Muitos vão embora nesse período do ano para coincidir com as festas de fim de ano. Na condição de ilegais, é uma viagem sem volta.
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