Há cinco anos paralisada pelas potências tradicionais, relutantes a qualquer mudança de equilíbrio de poder, a reforma do FMI (Fundo Monetário Internacional) ganhou uma notável aceleração.
Reunidos neste final de semana para o chamado “encontro da primavera” – a instituição realiza outro no outono do hemisfério norte – os ministros da Fazenda dos 185 países membros decidiram que o fundo não agirá mais apenas como um banco, mas também como um vigilante da economia mundial, com uma particular atenção aos sistemas financeiros.
Com a estabilização das economias da América Latina e da Ásia, na década de 1990, o FMI parecia estar prestes a ser enterrado, depois de ter perdido legitimidade entre os países emergentes. Em 2001, a crise que abalou a Argentina, mostrada pela instituição como o primeiro da classe, ficou como o exemplo do seu fracasso na região.
Consenso de Washington
O FMI, junto com sua instituição irmã, o Banco Mundial, tinha transformado a América Latina num laboratório para medidas neoliberais, tal como privatização de todas as empresas públicas, flexibilização das leis lavorais, e diminuição do peso do Estado. Este conjunto de regras, batizado de “consenso de Washington” teve conseqüências devastadoras principalmente na saúde e educação pública, prejudicando os mais pobres.
O presidente Luís Inácio Lula da Silva, em visita à Argentina na semana passada, frisou que “os países emergentes não querem que exista uma delegação do FMI para checar as contas da Argentina, do Brasil ou da Venezuela”. “Não queremos mais isso. Tomamos um empréstimo, temos um prazo para pagar e respeitamos as taxas de juros, mas não queremos missões de monitoração”.
Sem condições
É para responder a esta exigência, formulada pelo Brasil há já um ano, que o fundo adotou a Linha de Crédito Flexível. Esta medida permite aos países com dificuldade de caixa de sacar rapidamente recursos sem as tradicionais condições impostas pela instituição, muitas delas controversas, como a intromissão na política de juros, metas para inflação, liberdade de movimento de capitais ou autonomia do Banco Central.
O México é o primeiro país a se beneficiar do mecanismo, com um empréstimo de 47 bilhões de dólares, o maior da história do FMI. “Agora o FMI está em sintonia com o século 21”, afirmou Youssef Boutros-Ghali, presidente do Comitê Monetário e Financeiro Internacional (IMCF, sigla em inglês).
Na sede da organização, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, avaliou que “o FMI não pode mais ditar regras.” Segundo ele, o FMI perdeu sua empáfia e sabe que tem de ouvir o G20. Com a crise, o grupo dos 20 países mais ricos do mundo (representando 85% da economia mundial) tenta aposentar o tradicional G7, cuja legitimidade é cada vez mais discutida.
Poder de veto
Mantega lembra que o próximo desafio é reformar a estrutura de cotas de modo que mais países tenham voz na instituição. A estrutura decisória do FMI é muito desequilibrada. Ela não toma em conta o fato que países em desenvolvimento têm um peso muito maior na economia mundial que em 1945, na época de criação da instituição financeira.
Atualmente, os Estados Unidos têm poder de veto nas eleições do FMI, pois contam com a maior representação: 17% das cotas. A Europa tem cerca de 30%, enquanto o Brasil não passa de 1,8%.
Ficou marcada para janeiro 2011 a data limite para um acordo sobre o sistema de cotas. Mantega reconhece que o diretor-gerente do Fundo, Dominique Strauss-Kahn, agilizou a instituição, que antes era famosa por sua morosidade. Ele espera que, graças ao dirigente francês, que assumiu o posto em 2007, o Brasil ganhe uma maior representação no FMI.
Uma mudança no equilíbrio das forças poderia incluir a nomeação de um diretor-gerente procedente de algum país emergente. Por tradição, o FMI é dirigido por um europeu, enquanto o Banco Mundial é encabeçado por um representante dos Estados Unidos. Mantega quer também que o FMI “abra suas portas a Cuba” e a convide a voltar a participar da organização. A ilha deixou de ser membro da organização em 1964, por escolha própria.
Mais recursos
“O FMI se encontra em uma posição melhor do que nunca para fazer parte do processo de recuperação financeira”, disse Jan Brockmeijer, diretor-adjunto do departamento de mercados monetários e de capital, em coletiva de imprensa, na terça-feira passada. O FMI afirma que pretende sugerir uma solução específica para cada país em crise. Os diretores da instituição acreditam que a intervenção do estado nunca deve se estender mais que o necessário para estabilizar as finanças e recuperar a confiança na economia. “Só porque somos servidores públicos, isso não significa que estaremos sempre a favor da intervenção estatal”, afirma José Vinãls, consultor e diretor financeiro do departamento de mercados monetários e de capital da instituição.
Para que fundo ajude mais na recuperação dos países em crise, ele precisa de mais recursos. O G20 concordou num aumento de sua capacidade de financiamento para um trilhão de dólares. Os países mais ricos se comprometeram a doar, cada um deles, 100 bilhões de dólares, para totalizar 500 bilhões de dólares. Até agora só o Japão cumpriu a promessa.
O grupo dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) também propõe criar um “bond”, semelhante a um título do tesouro, que os emergentes comprariam para contribuir a caixa do FMI. No entanto, Mantega esclareceu que o Bric faria o aporte “somente se houver uma reforma satisfatória”.
Nem todos estão convencidos pelo nascimento de um “novo” FMI. No primeiro dia da assembléia, cerca de 120 manifestantes se reuniram perto da sede da organização, que esteve protegida pela polícia durante todo o final de semana. “Queremos enviar a mensagem de que o Banco Mundial e o FMI não ajudam as pessoas do mundo. O dinheiro deve ser usado para cobrir as necessidades humanas, não a avareza corporativa”, falou David Thurston, da associação Global Justice Action. O próximo encontro do FMI e do Banco Mundial será realizado em outubro, em Istambul, na Turquia.
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