A inflação na Argentina oscilou entre 18% e 20% em 2009, segundo diversas consultorias privadas. Entretanto, para o Indec (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos) – órgão oficial responsável pela pesquisa de preços – o índice não chegou a 7%. Por que tanta diferença?
Nunca anteriormente se havia dado tanta importância às análises de empresas privadas sobre o comportamento da economia argentina. Desde que, em 2006, o governo de Néstor Kirchner (2003-2007) modificou a metodologia do Indec e demitiu boa parte dos diretores, os números extra-oficiais ganharam credibilidade e difusão.
Um das consultorias mais importantes, a Ecolatina, admitiu ao Opera Mundi que suas pesquisas de IPC (Índice de Preços ao Consumidor) se baseiam num universo reduzido, mas destacou a fidelidade dos dados, por serem obtidos com base na mesma técnica utilizada antigamente pelo Indec.
“Avaliamos a variação de preços mensais em supermercados específicos. Sempre são os mesmos comércios, gerando dados objetivos. O governo destaca o produto em si e, por isso, [o índice] torna-se muito impreciso e fácil de manipular”, argumentou a Ecolatina por meio da assessoria de imprensa.
O economista Martín Hourest, da CTA (Central dos Trabalhadores Argentinos), tem outro olhar sobre essas consultorias: “Nenhum dos dados obtidos nas pesquisas privadas pode ser tomado como algo que ocorre em conjunto na economia. Isso é o que elas pretendem impor através dos meios de comunicação”.
Segundo Hourest, que faz oposição ao governo, grande parte das medições é solicitada por empresas e corporações que atuam como gabinetes ministeriais, às escuras, e obedecem a lobbies específicos.
“Grandes empresas beneficiárias dos serviços públicos, ao estabelecer que existe um alto índice de inflação, têm argumentos para exigir maiores subsídios do Estado. Isso se vê claramente na estreita relação entre algumas consultorias e grupos de empresários ligados ao transporte público”, afirmou.
O governo diz desacreditar nos números privados, alegando falta de transparência. “Jamais mostraram a fundo como realizam as pesquisas”, declarou ao Opera Mundi Jorge Mancinelli, homem próximo ao ministro da Economia, Amado Boudou.
De acordo com ele, o problema não é a inflação, e sim a formação de preços. “Aqui há importantes setores da economia com capacidade de impor valores. O ponto é atacar os setores que se vinculam com os chamados ‘bens de uso difundido’, tais como aço, cimento, energia etc. Eles irão determinar os valores da cadeia posterior de preços. Ou seja, não importa quanto esta lata de tomates custa na gôndola, e sim por quanto vendem o aço para fazer a embalagem. Esse setor, conforme está a briga política com o governo por seus interesses, atiça mais ou menos a inflação mediante as consultorias e medições”.
“Efeito mimético”
Um ingrediente fundamental para se analisar a diferença entre os índices inflacionários é a expectativa. Miguel Sanabria, economista e professor da Universidade Nacional de La Plata, aponta o que ele chama de “efeito mimético”, ou seja, referente a mimetismo.
Se uma consultoria aponta 8% de inflação, outra fará o mesmo, já que não tem como checar. Como não pode medir o universo total, leva em conta variações de outros fatores para entender o motivo do aumento do preço de um determinado produto, mesmo que estes fatores tenham sido medidos por outras consultorias. “Assim, tudo é muito instável”, afirma Sanabria.
Tanto o governo quanto os empresários adotam o índice que lhes convém. As grandes empresas usam a inflação das consultorias privadas para pedir subsídios, mas a do Indec para negociar salários. O Executivo admite os índices privados para cobrar impostos aplicados ao consumo, como o IVA, mas usa os do Indec para manter alinhada a cadeia de preços.
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