A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, antecipou os números da economia argentina, que serão divulgados hoje (20/8) pelo Indec (Instituto Nacional de Estatística e Censos) e revelou que o PIB (Produto Interno Bruto) registrou em junho crescimento de 11,1% em relação ao mesmo período em 2009. No entanto, a inflação parece ser maior do que o governo admite: economistas e institutos de pesquisa calculam uma índice anual de 25%.
Economistas e analistas consultados pelo Banco Central já haviam apontado um aumento de 10%. Cristina declarou que o país vivia uma “explosão econômica”, o que permitia também uma forte diminuição do desemprego. Nessa sexta-feira, o Indec anuncia que o índice atinge 7,9% da população economicamente ativa.
Para o governo, a bonança significa uma entrada importante de recursos fiscais suplementares, já que a lei de Orçamento 2010 esperava um crescimento do PIB de 2,5%. A maioria dos analistas considera que deveria atingir pelo menos 7%. A UIA (União Industrial Argentina) calculava entre seis e 8%, enquanto o banco de investimento Morgan Stanley mudou suas previsões para 9,7%.
O bom desempenho da economia é explicado primeiro pela excelente safra de soja, que deve alcançar 96 milhões de toneladas em 2010, compensando os resultados catastróficos provocados pela seca no ano passado. Destinada, na sua quase totalidade, à exportação, a soja ajuda a manter o excedente comercial, apesar das fortes importações. Além disso, as vendas, que são taxadas, alimentam as contas públicas.
Reflexo social
Isso permitiu que o Estado gastasse bastante em 2009 para limitar o impacto da crise econômica mundial, principalmente por meio da política social. A principal medida foi a introdução, em outubro de 2009, da “gratificação universal”, uma bolsa destinada a crianças de famílias pobres em troca da vacinação. O programa, que vem sendo implementado gradualmente, já se estendeu a mais de 3,5 milhões de crianças.
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Em cidades das periferias da capital argentina ou nas províncias mais pobres do norte do país, a ajuda governamental manteve o consumo e, consequentemente, as encomendas das empresas. A recuperação rápida do país vizinho consolidou a tendência na economia como um todo. Isso pode ser comprovado, por exemplo, no caso da indústria automotriz, cuja produção deverá atingir esse ano o recorde de 680 mil unidades, graças à forte demanda brasileira. De cada 100 carros que saem das fábricas argentinas, 60 vão para o Brasil.
Inflação
Por outro lado, a progressão das vendas no setor de bens de consumo tem explicação negativa: a disparada da inflação. Temendo uma desvalorização de suas poupanças, os argentinos da classe média aproveitaram para gastar. Muitos, por exemplo, adquiriram novas televisões para assistir a seleção na Copa do Mundo da África do Sul. Até o tradicional câmbio em dólares foi descartado, já que, apesar da inflação, a cotação do peso argentino quase não mudou durante o último ano, ficando ao redor de 3,9 pesos o dólar.
O governo, porém, não reconhece que a inflação seja um problema, considerando sua alta como algo normal, em um contexto de forte crescimento. O Indec publicou recentemente uma progressão dos preços de 0,8% em julho, em relação ao mês anterior, o que levaria a previsão de inflação para todo o ano a 6,7%. Embora seja o número mais alto desde que o governo decidiu, em 2007, acabar com a autonomia do Indec, todos os institutos privados (inclusive o Fundo Monetário Internacional) consideram que o governo esconde a realidade.
Para eles, a inflação poderia atingir 25% este ano, a segunda mais alta da América do Sul depois da Venezuela. Até os sindicatos, diretamente vinculados com o governo, apontam essa realidade e negociaram, em grande maioria, aumentos salariais de 30% esse ano, muito acima da inflação oficial, justificando as demandas pelo alto custo da vida.
“Até agora, a população resiste bem, com o baixo desemprego”, analisou Ernesto Kritz, diretor de SEL, consultoria especializada em questões salariais. “O problema é que a inflação está virando o problema dos pobres, já que os produtos básicos são os mais afetados pelo aumento dos preços”, continuou. De fato, o Indec reconhece que a cesta básica aumentou 20,6% nos últimos doze meses. Segundo Kritz, a gratificação universal perdeu 16% de seu valor já nos quatro primeiros meses de existência.
Independência do Indec
O governo recusa qualquer acusação de manipulação dos números. No entanto, na semana passada, Cristina sofreu uma derrota no Senado, que votou pela autonomia do Indec. O projeto de lei deve ainda ser aprovado pela Câmara dos Deputados. Se for o caso – a oposição tem a maioria – a presidente pode vetar o projeto, mas o gesto seria considerado politicamente perigoso.
Atualmente, o governo prefere enfrentar a inflação, exigindo um congelamento dos preços em alguns setores, ou limitando as exportações, para que a oferta de produtos seja significativa e barata, como no caso do trigo ou da carne. A equipe de Cristina acabou de anunciar um controle dos preços dos combustíveis, já que a gasolina rompeu a barreira psicológica de quatro pesos (dois reais) litro essa semana. Desde o começo do ano, os preços aumentaram 30%.
O alvo dessa medida é a petrolífera anglo-holandesa Royal Dutch Sell, a única que não quis conter os preços nos últimos meses. A empresa tem relações péssimas com o governo desde 2005. Na época, o então presidente Néstor Kirchner chegou a pedir à população um boicote à empresa.
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