Gustavo Guillén é um dos caminhoneiros hondurenhos que, como dezenas de outros colegas, encontra-se parado na fronteira nicaraguense desde sexta-feira (24), quando o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, tentou pela primeira vez cruzar a divisa. Naquele dia, o Exército hondurenho armou bloqueios nas estradas para conter a chegada de simpatizantes de Zelaya e a passagem continua dificultada. “Deus queira que nos deixem passar logo”, diz.
Mario López/EFE (29/07/2009)
Simpatizantes de Manuel Zelaya fazem refeição em Ocotal, Nicarágua
O caminhoneiro transporta café da Nicarágua até Puerto Cortés – cidade portuária hondurenha próxima à fronteira com a Guatemala – e, como os demais, espera durante os últimos dias o desenrolar da crise institucional em Honduras.
“O problema não é aqui na Nicarágua, onde a passagem é livre”, explica Guillén, que retornava de uma entrega feita no país vizinho. “É que somos barrados quando chegamos aos controles militares em Honduras, e o toque de recolher total piora a situação, pois não podemos circular durante 12 horas”, explica. O toque de recolher foi ampliado e vai agora das 18 horas até às 6 da manhã locais.
Por dia parado, os motoristas gastam cerca de 5 dólares com despesas pessoais, tirados do próprio bolso. O salário mensal gira em torno de 150 dólares.
Guillén é um dos caminhoneiros que transportam produtos agrícolas – um dos pilares da economia hondurenha -, que representam 12,8% do PIB (Produto Interno Bruto). A maior parte da produção não é consumida pelo país e cerca de 85% das exportações vão para os Estados Unidos, de onde se originam mais de 50% das importações. El Salvador, Nicarágua, Guatemala e México são os outros países com os quais Honduras tem relações comerciais, feita por transporte terrestre. Os principais produtos comercializados são melão, café e banana.
A ministra interina de Finanças de Honduras, Gabriela Nuñez, já adiantou que, por conta da crise política, foi feita uma revisão para baixar as previsões de crescimento do PIB hondurenho, que é de 14 bilhões de dólares. A projeção de expansão de 1% a 2% para este ano foi substituída por uma contração de 1%. De acordo com o último relatório da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe), a redução deve ser de 2,5%.
Gustavo Amador/EFE (28/07/2009)
Soldados hondurenhos vigiam o município de Alauca, na fronteira com a Nicarágua
Suspensão da ajuda internacional
Houve também um corte da ajuda externa por parte dos organismos internacionais, que representa 20% do orçamento hondurenho. O cancelamento da ajuda do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e do Banco Mundial representa cerca de 200 milhões de dólares dos 5,6 bilhões que o governo planejava gastar neste ano.
“A suspensão da ajuda internacional não deve piorar a crise econômica em Honduras”, opinou em entrevista ao Opera Mundi o cientista político Diogo Costa, pesquisador da Atlas (Fundação de Pesquisa Econômica), em Washington. Costa justifica dizendo que o auxílio de organismos internacionais não tem relação direta com o desenvolvimento de uma economia.
Por outro lado, um sociólogo hondurenho da UNAH (Universidade Nacional Autônoma de Honduras), que pediu para não ser identificado por temer perseguição, não pensa da mesma forma. Ao Opera Mundi, ele confirmou que a retirada da ajuda está levando pequenas e médias empresas à falência.
O Brasil foi um dos países que anunciaram a suspensão dos investimentos. Levantamento do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) mostra que o país centro-americano deixará de receber cerca de 310 milhões de dólares em investimentos do setor privado brasileiro, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e da Petrobras.
Um dos projetos interrompidos é a instalação de uma fábrica de lubrificantes pela estatal petrolífera brasileira, com custo estimado em 50 milhões de dólares. Outros são a construção de duas hidrelétricas, Los Llanitos e Jicatuyo, no valor de 180 milhões de dólares e a participação do Brasil no projeto de pavimentação de estradas no trecho de Tegucigalpa a Catacamas, com orçamento em torno de 80 milhões de dólares.
Instituições multilaterais, como o Banco Mundial, também suspenderam programas e empréstimos. No início do mês, a Venezuela cancelou o envio de hidrocarbonetos a Honduras, que se beneficiava do acordo de cooperação Petrocaribe. Um dos impactos que isso pode gerar é o aumento dos preços do petróleo.
Os Estados Unidos congelaram empréstimos e programas de ajuda e de cooperação, além de suspenderem o auxílio militar, de 16,5 milhões de dólares, e o auxílio para o desenvolvimento ao governo de Honduras. Washington também alertou que novos fundos de ajuda ao país, estimados em 50 milhões de dólares, correm risco em 2009, bem como 130 milhões de dólares que são fornecidos para cumprir as Metas do Milênio estabelecidas pela ONU.
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Resultado real
A diminuição do ritmo comercial interno é a pior consequência para a população, causando aumento do desemprego e diminuição do dinheiro recebido diretamente, principalmente nas regiões mais afastadas de Tegucigalpa, como explica o cientista político Diogo Costa, pesquisador da Atlas (Fundação de Pesquisa Econômica) em Washington.
O pesquisador André Martin, especializado em Geopolítica pela USP (Universidade de São Paulo), acredita que nos próximos meses os impactos não devem ser tão fortes, pois o governo golpista teria condições de controlar a economia na capital do país até as próximas eleições.
“Eles [golpistas] têm cálculos para conseguir se sustentar até o final ano. Os empresários e exportadores são aqueles que apoiaram o golpe e esse governo”, diz o pesquisador.
Ainda de acordo com Martin, sem um bloqueio dos Estados Unidos, os cortes de ajuda internacional se tornam simbólicos, pois não são o alicerce da economia do país. Como o principal parceiro comercial de Honduras não reduziu o fluxo bilateral, o impacto não seria tão grande, pelo menos para a classe média de Tegucigalpa e para o setor empresarial.
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O mesmo não acontece nas cidades fronteiriças. Grande parte delas está tomada por bloqueios do Exército hondurenho. O fechamento das fronteiras causou até agora, só com a paralisação do comércio local, uma perda estimada em oito mil lempiras (cerca de 796 reais), conforme relatou o especialista da UNAH.
Turismo afetado
O bloqueio da fronteira começa a pesar também para as companhias de transporte de passageiros da região, como a Tica Bus, da Costa Rica, que conecta toda a América Central – do Panamá ao México – e a Transnica. “Estamos vivendo uma situação crítica. Já perdemos cerca de 70 mil dólares desde sexta-feira passada e paramos as atividades por conta do problema das fronteiras”, declarou Carlos Calero, gerente de Transnica, à uma rede de televisão nicaraguense. As companhias de transporte gastam muito para pagar comida e hospedagem aos clientes, parados na fronteira.
Em Honduras, bens essenciais como gasolina e alimentos importados do sul da América Central começam a faltar. Na cidade de El Paraiso, zona fronteiriça hondurenha, está acabando o combustível, como constatou o Opera Mundi.
Desde o golpe de Estado, um dos maiores impactos na economia foi no setor do turismo, retratado pela diminuição do número de hospedagens nos hotéis do país. A ocupação média hoteleira caiu de 80%, número registrado antes do início da crise política, para 20%.
O preço dos serviços turísticos, como hotéis, restaurantes e aluguel de veículos, foi reduzido em até 50%, com promoções de dois produtos pelo preço de um, para tentar atrair clientes.
Segundo dados oficiais, no ano passado, a maioria dos turistas, 49,7%, vinha de outros países da América Central, 39,1% dos Estados Unidos e 7,2% da Europa. Washington já recomendou que as pessoas não viajem a Honduras, por conta da instabilidade política.
Há poucos dias, o presidente da Câmara hondurenha de Turismo, Epaminondas Marinakys, calculou em 50 milhões de dólares o volume mensal de perdas, partindo de uma base de 600 milhões de dólares em ingressos por turismo em 2008, setor que faz parte dos 55,3% do PIB hondurenho, vindo de serviços.
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