Para surpresa de alguns, os Estados Unidos decidiram manter Cuba dentro da lista de países que apoiam o terrorismo, junto com o Irã, Síria e Sudão. Apesar de a linguagem usada pelo Departamento de Estado para descrever a decisão ter sido mais suave se comparada com a postura de anos anteriores, a inclusão não deixou de surpreender os observadores pois, depois dos gestos de abertura do presidente Barack Obama, esperava-se a retirada da ilha dessa lista.
Segundo o documento, intitulado “Relatório sobre o Estado do Terrorismo no Mundo 2008”, o governo da ilha “já não apoia ativamente a luta armada na América Latina e outras partes do mundo”, contudo, “continua a dar abrigo a alguns [grupos] terroristas”, como o ETA, as FARC e o ELN, que “continuavam em Cuba” no ano passado.
O ELN colombiano, historicamente uma criação cubana na década de 1960, foi liderado pelo padre Camilo Torres. As FARC, também colombianas, nunca foram totalmente bem vistas em Havana e os contatos com o governo cubano se desenvolveram mais durante os anos 1990, a pedido do então presidente César Gaviria (1990-1994).
Em relação ao ETA – organização separatistas basca –, como recorda o documento, seus membros se encontram em Cuba, depois de um acordo feito entre o governo da ilha e o espanhol, liderado pelo socialista Felipe González, em meados dos anos 1980 numa tentativa de pacificar a Espanha.
O documento recorda também que em julho do ano passado, o ex-presidente cubano Fidel Castro fez um apelo às FARC para que libertasse os reféns em más condições e condenou os maus-tratos infligidos aos presos e o sequestro de civis alheios ao conflito.
Washington admite que não têm provas de que a ilha participe em atividades de lavagem de dinheiro relacionadas como terrorismo, se bem que Cuba “é um dos países mais fechados e não transparente em termos de sistema bancário”, afirma o texto.
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Copo meio cheio
O relatório foi divulgado depois que Obama levantou as restrições de viagens e envio de dinheiro à ilha, pelos cubano-americanos, e muitos apostavam que a retirada de Cuba da lista seria o passo seguinte. Estar nessa lista impede automaticamente que Cuba possa comercializar com os Estados Unidos que, neste momento, são o principal abastecedor de alimentos dos cubanos.
Para Phill Peters, vice-presidente do Lexington Institute, que possui um amplo leque de contatos em Havana e Washington, e trabalhou no Departamento de Estado, a linguagem do relatório mostra apenas que “o copo está meio cheio, não meio vazio”. “Foi um grande gesto da parte deles, o de reconhecer as declarações de Fidel Castro sobre as FARC. Eu tenho a impressão de que Cuba está a ponto de sair dessa lista”, disse Peters ao Opera Mundi.
Oficialmente, os Estados Unidos não se preparam para retirar Cuba da lista, mas segundo o porta-voz do Departamento de Estado, a nova linguagem é apenas isso, “uma nova administração que examina a linguagem com um pouco mais de cuidado”.
Reação cubana
A reação cubana não tardou. Segundo o ministro do Exterior cubano, Bruno Rodríguez, a ilha não reconhece nenhuma “autoridade política ou moral” em Washington para criar nenhum tipo de listas ou “certificar comportamentos”.
Rodríguez recordou que em Miami “passeiam livremente Orlando Bosch e Luís Posada Carriles, responsáveis por numerosos atos terroristas, incluindo o atentado de um avião civil cubano em pleno voo”.
Bosch foi anistiado pelo primeiro presidente Bush, George W. H. Bush, enquanto que Posada Carriles acaba de ser acusado de ligações com os atentados em Havana no verão de 1997, e seu julgamento começa no fim do mês no estado do Texas.
Mas as declarações de Rodríguez não foram suficientes para Fidel Castro, que de sua casa no oeste de Havana e retirado há mais de dois anos do poder direto, escreveu um de seus habituais comentários, demonstrando desta vez quanto furioso está com os norte-americanos. Para Fidel, os Estados Unidos são os grandes protagonistas do terrorismo na América Latina e Cuba sua principal vítima, desde 1959 – ano da revolução.
Cuba sempre atribuiu aos Estados Unidos, muitas vezes sem grandes provas, atentados contra sua economia, indústria açucareira, seus dirigentes, cidades e campos, diplomatas no exteriores e estrangeiros que quiseram melhorar as relações com a ilha.
“Cinquenta anos de terrorismo contra o nosso país saem à luz num instante”, escreveu Fidel, que acredita que o próprio Obama se encontra com as mãos amarradas neste assunto. “Comprometidos como estão com seus próprios crimes e mentiras, talvez o mesmo Obama não poderá se desfazer desse enredo. Um homem cujo talento ninguém nega, tem de se sentir envergonhado por este culto de mentiras do império”, disse o líder cubano.
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Teoria da conspiração
Num momento em que o mundo combate a pandemia da gripe A (H1N1), Fidel insinuou que os Estados Unidos poderiam estar por trás de tudo. “Que dizer da introdução do vírus como o da dengue hemorrágica e a gripe suína que, geneticamente nem sequer existiam na região”, afirmou.
Mas as palavras de Fidel, poderiam não ter grande impacto em Washington, já que a filosofia da administração atual ficou claramente desenhada em Trinidad e Tobago. “Não vim falar do passado, mas sim discutir nosso futuro comum”, disse Obama a seus pares.
Por isso o presidente venezuelano, Hugo Chávez, o presenteou com o livro de Eduardo Galeano, As veias abertas da América Latina e a obra do uruguaio virou best-seller nos Estados Unidos, onde 20% dos eleitores de Obama nasceu depois de 1980, quando a intervenção dos Estados Unidos na região estava em declive.
“Os americanos hoje em dia não sabem o que aconteceu na América Latina no século passado. O que lhes importa é ter uma casa, crédito, emprego e viver sem problemas. A América Latina é um problema político da administração, não do eleitorado”, comentou o analista de Universidade Internacional da Florida, Daniel Alvárez.
Leia o relatório aqui
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