“É impossível competir com o Brasil. É claramente injusto e isso vai acabar nos tirando dos negócios”. Foi dessa forma que Michael Doram, presidente do departamento de gado da Associação Irlandesa de Fazendeiros avaliou a possível assinatura de acordo entre a União Europeia e o Mercosul para facilitar a entrada da carne sul-americana na Europa. Doram representa a quarta geração de uma família que vive da criação de gado em uma fazenda de Wexford, sudeste da Irlanda.
Ernani Lemos/Opera Mundi
Fazendeiros irlandeses protestam na sede da União Europeia em Dublin
“O gado daquela região, especialmente do Brasil, não atende ao rigoroso padrão de higiene europeu e isso o torna muito mais barato. Se esse produto entrar no nosso mercado livremente, eu provavelmente vou falir e serei obrigado a mudar de profissão”, reclamou o fazendeiro ao Opera Mundi.
Na semana passada, Doram e outros representantes dos fazendeiros invadiram o escritório da União Européia em Dublin para protestar contra as atuais negociações com o Mercosul. Os dois blocos se reúnem em Bruxelas, na Bélgica, entre os dias 14 e 18 de março, para avançar nas conversas sobre um tratado de livre comércio.
Negociações
União Européia e Mercosul tentam há mais de 15 anos fechar um acordo de cooperação para tornar mais fácil a compra e venda de diversos bens entre os dois continentes. Depois de um longo tempo estacionadas, as negociações foram retomadas em 2010.
Os oficiais europeus acreditam que o livre comércio bilateral será positivo para os países membros da UE. Para eles, o rápido crescimento da economia sul-americana deve beneficiar os exportadores da Europa e gerar um lucro extra de 4.5 bilhões de euros (R$10.3 bi) para a região.
Mas um estudo independente do grupo COPA-COGECA, que representa os agropecuaristas do bloco europeu, estima que, se a comercialização for completamente liberada, o setor de gado da Europa pode perder até 25 bilhões de euros (R$57.6 bi). A divulgação da pesquisa revoltou os fazendeiros locais.
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Brasileiros e europeus se reúnem na tentativa de retomar negociação entre Mercosul e UE
O ministro da agricultura da França, Bruno Le Maire, está entre as vozes mais ativas contra as negociações entre os dois blocos. Em uma entrevista coletiva em fevereiro, ele afirmou: “Se nós queremos chegar a um acordo justo entre UE e Mercosul, isso não pode acontecer às custas dos fazendeiros europeus. É preciso implementar regras iguais para ambos os lados.”
Doram reforçou o discurso: “O caso da Irlanda é ainda mais sensível, pois a pecuária representa muito para a economia interna e nós podemos ajudar a tirar o país do buraco. Mas os criadores daqui estão em desvantagem porque, ao contrário dos fazendeiros de alguns países sulamericanos, não podem usar hormônios que aceleram o crescimento dos animais. Nós levamos mais tempo para produzir carne.”, lamentou.
Contraponto
“É um exagero dizer que isso (o acordo com o Mercosul) vai destruir o mercado de carne da Europa.”, rebateu o porta-voz da Comissão Européia para o Comércio, John Clancy. A entidade defende que, em vez de banir importações de regiões com diferentes regras de controle de animais, os europeus deveriam divulgar mais informações sobre essas diferenças para os consumidores.
O Escritório de Alimentação e Veterinária da União Européia (FVO) enviou um grupo de inspeção ao Brasil no fim de fevereiro. Alistair Mackintosh, executivo da COPA-COGECA, disse que a missão destacou deficiências em áreas como rastreamento e uso de antibióticos. Para o Ministério da Agricultura brasileiro, a visita foi positiva, já que os técnicos constataram melhora no monitoramento de resíduos de medicamentos veterinários.
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É importante destacar que as negociações em Bruxelas não devem resultar em conclusões formais nem definitivas sobre o acordo bilateral entre Mercosul e UE. Uma nova rodada de discussões está marcada para o começo de maio, no Paraguai.
O Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo. A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária prevê que as exportações somem 2 milhões de toneladas em 2011, o que representa um aumento de 25% em relação ao ano passado. Os principais compradores do gado brasileiro são Rússia, Japão, União Europeia e México.
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