Os cerca de dois mil automóveis e peças de veículos produzidos na Argentina, acumulados na fronteira com o Brasil desde a última quinta-feira (12/05), continuarão à espera de licença para ingressar em território nacional. A conclusão é indicada pela falta de conclusões na reunião realizada nesta terça-feira (17/05) entre o embaixador do Brasil na Argentina, Enio Cordeiro, e a ministra de Indústria do país, Débora Giorgi.
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Passadas duas horas de encontro, o único acordo estabelecido entre o diplomata e a ministra argentina foi que, na semana que vem, os secretários executivos do ministério da Indústria da Argentina, Eduardo Bianchi, e do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio Exterior do Brasil, Alessandro Teixeira, se reunirão para discutir a demora do ingresso de automóveis argentinos no Brasil e as demais queixas de empresários de ambos os países.
“Tivemos um encontro muito positivo. Tanto a Argentina quanto o Brasil vão privilegiar a relação entre sócios estratégicos”, afirmou Giorgi, na tentativa de diminuir os decibéis do impasse, difundidos pela imprensa, importadores e empresários nos últimos dias. Na mesma linha, o ministro brasileiro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, negou nesta tarde que exista uma crise comercial entre os países.
Para Dante Sica, ex-secretário de Indústria da Argentina e diretor da consultoria Abeceb, a demora da entrada de veículos no Brasil não é benéfica para nenhum dos países, e prevê que a questão se solucione nos próximos 20 dias. “Se aplicada em longo prazo, a medida demoraria a entrega de automóveis a compradores brasileiros e afetaria a produtividade argentina no setor, influindo, consequentemente, no mercado de trabalho”, explicou.
Segundo ele, a justificativa mais plausível para a medida é a de que o governo de Dilma Rousseff queira demonstrar “que os tempos da paciência estratégica [atribuída ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva] diminuíram e que agora o ministério será mais rigoroso ao negociar”, afirmou ao Opera Mundi, ao que complementou: “Pelo passado sindical de Lula, seu governo tinha um grau de flexibilidade diferente”.
Para Sica, as margens de ação menores do governo Dilma se devem, principalmente, à pressão exercida por empresários brasileiros, já cansados das dificuldades de ingressar produtos no mercado vizinho, desde os anos posteriores ao colapso econômico argentino de 2001. “Naquele momento, a Argentina estava de joelhos e Lula soube interpretar as necessidades de recuperação da economia local, contendo as queixas de seus próprios empresários e à custa da legitimidade de seu governo”, lembra o especialista.
Queixas bilaterais
Com um crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) argentino de 9% em meio a um cenário de crise financeira internacional, o comércio bilateral entre o Brasil e a Argentina bateu recorde em 2010, somando um volume de cerca de 33 bilhões de dólares. Os números, no entanto, não representam satisfação plena com a dinâmica das exportações e importações entre os países.
Em carta enviada a Pimentel, após o anúncio da implementação das licenças não automáticas, Giorgi relatou dez exemplos das “múltiplas manifestações que a Argentina fez [ao Brasil] pelas fortes assimetrias existentes” no fluxo de exportações ao país. Entre os itens listados se encontravam “ameaças à exportação de azeite de oliva”; “aplicação de selo fiscal em bebidas alcoólicas, principalmente vinho”; “limites ao ingresso de leite em pó”; “demora no registro de registro de produtos agroquímicos, veterinários e medicamentos” e “impossibilidade do acesso de cítricos ao mercado brasileiro”.
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Sica discorda que o Brasil, “ao contrário do que diz Pimentel”, seja uma economia aberta, conforme reclama a ministra de Indústria. O especialista ressalta, no entanto, que os empresários brasileiros encontram barreiras para a entrada de seus produtos na Argentina, principalmente devido ao descumprimento do prazo de 60 dias estabelecido pela OMC (Organização Mundial do Comércio), para a autorização alfandegária.
Segundo ele, estes impedimentos se intensificaram em 2011, ano das eleições presidenciais no país, marcadas para o dia 23 de outubro. “Com o processo eleitoral a única preocupação econômica do governo é maximizar o superávit comercial para aumentar a quantidade de dólares captados, mantendo a moeda calma durante este período”, explica.
Entre as importações mais problemáticas, o especialista menciona alimentos, como “iogurtes que vencem na fronteira”, maquinaria agrícola e de linha branca. Segundo ele, o governo argentino se utiliza de medidas “escritas e não escritas” para frear o aumento de importações, como no caso da barreira a caminhões de uvas e kiwis provenientes do Chile, na semana passada.
De acordo com dados da consultoria Abeceb, cerca de 65% da produção argentina de veículos é exportada, e 80% da exportação é destinada ao Brasil. “O Brasil jogou uma carta muito forte ao agir justamente com o setor automotivo, não só pelo que esta indústria representa para a Argentina, mas também porque é o que melhor se complementou no Mercosul”, garante Sica.
Segundo ele, o fator eleitoral também representa uma mudança importante na necessidade de que a Argentina se adapte à maior rigidez no cumprimento dos acordos comerciais: “As chancelarias geralmente têm a política de não incomodar o vizinho em um ano de eleições. Isso mostra que houve uma mudança importante na postura do governo brasileiro”, afirma.
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