Jonatas Campos/Opera Mundi
Além de se empenhar na integração econômica e social com a América Latina, os países do Mercosul deveriam também se aprofundar no resgate ao passado das ditaduras militares no Cone Sul.
Essa é a opinião de Heloísa Starling, professora de história da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e responsável pela elaboração do Projeto República, um levantamento minucioso das centenas de presos e perseguidos políticos da ditadura militar no Brasil (1964-1985).
No debate sobre o direito à memória, à verdade e à justiça, realizado nesta quarta-feira (5/12) na Cúpula Social do Mercosul, em Brasília, a professora explicou sobre a participação do Brasil na “Operação Itaipu”, investigando militantes políticos latino-americanos que foram trabalhar na construção da usina fugindo da perseguição em seus países.
“Essa documentação está desaparecida. Seria muito bom se os responsáveis por Itaipu localizassem o acervo do SNI (Serviço Nacional de Inteligência), que agia dentro da usina. O governo brasileiro usou sua força de repressão dentro de Itaipu. Caso seja localizado o acervo de Itaipu, provavelmente teremos um novo capítulo na história das ditaduras no Cone Sul”, revelou Heloísa.
A pesquisadora também advertiu que no Brasil não está sendo dada a devida atenção aos estudos da Operação Condor, articulação de diferentes governos sul-americanos para reforçar a repressão às dissidências na época. “A Operação Condor é muito estudada fora do Brasil, aqui temos pouco bibliografia sobre o assunto”, disse.
Antes mesmo da aprovação da Comissão da Verdade brasileira, o Projeto República foi baseado no livro Direito à Verdade e à Memória, lançado em 2007. Ele foi desenvolvido na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos Paulo Vannuchi. Editado e compilado em um CD-ROM, o projeto conta a história de 375 personagens através de fotos, vídeos, músicas, fatos históricos e ambiente cultural da época. Também faz uma contextualização histórica, com eventos importantes na América Latina, como a Operação Condor e o Golpe de Estado chileno, em 1973.
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“Pela primeira vez foi reconhecido que pessoas foram mortas ou houve desaparecimentos forçados por obra de agentes do Estado brasileiro durante a ditadura”, lembrou Starling. Para explicar o funcionamento do site, ela mostrou a história do guerrilheiro brasileiro Carlos Marighella, morto em 1969 por agentes do regime militar.
O projeto foi distribuído para escolas públicas de todo o Brasil por meio de uma parceria com o MEC (Ministério da Educação), com tiragem esgotada. Apesar da boa aceitação, até o momento não houve interesea do atual governo em reeditá-lo. Para a professora, o próximo passo do projeto é lançar um portal na internet para que todas as informações sejam disponibilizadas ao público. “Na edição web teremos mais informações, porque no formato CD-ROM tivemos que resumir”, explicou. “Vamos lançar este website nem que seja na marra, como diz o mineiro”, resumiu, rindo.
Quem também fez revelações sobre as conexões entre ditaduras no cone sul foi a uruguaia Ana Juanche, do Serviço Paz e Justiça. Para ela, a impunidade daquela época reflete até os dias de hoje quando militares cometem crimes. “Este é um processo de disputas políticas. Não há nenhum mecanismo que obrigue os militares a declarar a verdade no Uruguai”, disse.