O ministro das Relações Exteriores italiano, Franco Frattini, afirmou hoje (4) que “este não é o momento de falar em uma represália diplomática” contra o Brasil, pois a Itália está aguardando a resposta do Supremo Tribunal Federal sobre o caso de Cesare Battisti.
“Estamos aguardando confiantes de que a Suprema Corte irá rever a decisão do ministro da Justiça”, disse o chanceler italiano segundo a agência Ansa. No último dia 13 de janeiro, Tarso Genro concedeu status de refugiado político a Battisti, condenado na Itália à prisão perpétua por quatro homicídios que ele nega ter cometido na década de 1970.
A decisão do governo brasileiro motivou uma série de protestos na Itália. No governo Silvio Berlusconi, houve quem sugerisse cancelamento de jogo de futebol e retaliação na próxima reunião do G8, que será realizada sob presidência italiana. O embaixador em Brasília, Michele Valensise, foi chamado para consultas. Teve atleta dando palpite e até o chef brasileiro Alex Atala foi ouvido numa visita à Itália. Comoção nacional.
Aqui no Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já disse que o caso está encerrado e não vai atrapalhar as relações bilaterais. Uma fonte do Itamaraty confirmou que não há estresse entre as chancelarias. E hoje, Frattini declarou que “o governo italiano excluiu a possibilidade de não convidar o Brasil a participar dos trabalhos do G8″.
Ouvidos pelo Opera Mundi, diplomatas brasileiros que foram embaixadores em Roma revelaram opiniões divergentes sobre o que representa o entrevero diplomático. Rubens Ricupero considera que instalou-se, sim, uma crise, e que a convocação do embaixador releva “deterioração” nas relações entre os dois países. Paulo Tarso Flecha de Lima acha que consultar o embaixador é um “instrumento normal” (mesma versão do Itamaraty) e que “não há escalada do problema”.
Num ponto, no entanto, os dois concordam: o governo brasileiro errou ao negar a extradição de Battisti, alegando que na Itália o ex-guerrilheiro correria risco.
“A Itália é um país com instituições democráticas plenas”, argumenta Flecha de Lima. “A Itália nunca teve suspensão das garantias democráticas. É um argumento até ofensivo aos italianos”, completa Ricupero.
O Informe 2008 da Anistia Internacional revela uma visão diferente. “Persistiram os informes de maus-tratos por parte de policiais, e as autoridades italianas não introduziram mecanismos efetivos de responsabilização da polícia. As autoridades discriminaram os ciganos e diversos aspectos dos antecedentes de direitos humanos da Itália foram criticados pelo Comitê contra a Tortura da ONU. A Itália não criminalizou a tortura em seu código penal e ainda carecia de uma legislação de asilo abrangente”.Leia mais.
Decisão ideológica?
Sobre a motivação para conceder refúgio, Flecha de Lima afirma: “Não chego a dizer que foi ideológico, mas deve ter havido um pouco de preconceito”. Seu colega discorda: “Obviamente, houve critérios ideológicos. Prevaleceu a posição do Ministério da Justiça contra o parecer do Itamaraty e do próprio conselho [Conare, Conselho Nacional para Refugiados]”.
Sobre o grupo PAC (Proletários Armados para o Comunismo), do qual Battisti fazia parte, Ricupero afirma: “Muita gente, por ignorância da história européia, não sabe que esse grupo se parece muito com o que matou Aldo Moro”.
Ricupero refere-se ao primeiro-ministro da Democracia Cristã, assassinado em 1978 pelas Brigadas Vermelhas. Tais grupos, segundo ele, eram contrários não só ao governo, mas à própria esquerda institucional, pois queriam evitar que um grupo de comunistas mais moderados, “contra a idéia da ditadura do proletariado”, chegassem ao poder através de uma coalizão com os democratas-cristãos chamada Compromisso Histórico.
O embaixador não acha que o governo Berlusconi possa ter dado tanta importância a esse assunto para se valorizar perante a opinião pública e eventualmente ocultar outros temas mais importantes. O que ele acha é que os movimentos guerrilheiros dos anos 70 fizeram muitas vítimas e isso gera de fato uma “comoção”. “Lá não é como aqui, que as pessoas são mais passivas”.
Cesare Battisti continua preso na penitenciária da Papuda, em Brasília. Embora o governo tenha concedido refúgio, corre no STF um processo de extradição, que já autorizou o governo italiano a se manifestar. A Lei dos Refugiados (9474/97) não prevê revisão da decisão do Executivo.
NULL
NULL
NULL