Apesar de haver em Washington um movimento favorável a um reatamento diplomático com Havana, assim como em Cuba, há também indícios que apontam no sentido oposto.
Na semana passada, pela terceira vez desde 1990, uma delegação de congressistas negros visitou Havana, onde se reuniu com os mais altos dirigentes do país. Na volta, disseram que tanto o presidente cubano, Raúl Castro, como seu irmão, o ex-presidente Fidel Castro, confirmaram que a ilha está pronta para um diálogo com Washington.
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“Foi uma reunião muito boa. Houve uma grande abertura, falamos de uma ampla gama de assuntos e estamos todos convencidos de que o presidente Raúl Castro pensa que a normalização das relações e o fim do embargo beneficiariam os dois países”, afirmou Barbara Lee, presidente da comitiva.
“Pelas conversas que tivemos, estamos convencidos de que os cubanos querem normalizar as relações com os Estados Unidos”, acrescentou.
O próprio jornal oficial de Cuba, Granma, confirmou que Raúl garantiu estar pronto para conversar “sobre qualquer assunto” em condições de “igualdade e respeito”.
Contudo, no dia seguinte ao encontro, Fidel escreveu que Cuba não daria o primeiro passo, como lhe pediu um dos congressistas. Este é um desejo compartilhado em Washington por aqueles que querem o reatamento. Aparentemente, o argumento é de que “Obama pode melhorar as relações com Cuba, mas Cuba deve ajudar Obama”.
Segundo Fidel, o governo da ilha “não é o agressor nem uma ameaça para os Estados Unidos”. Tampouco dispõe de uma alternativa que lhe permita tomar uma iniciativa nesse sentido. Por isso, não daria o primeiro passo.
Fidel e Raúl: divergência?
A resposta parece contradizer outra afirmação feita dias antes, em outra reflexão, quando Fidel disse que “não é necessário sublinhar o que sempre Cuba manifestou”. “Não temos medo de dialogar com os Estados Unidos. Também não precisamos de uma confrontação, como pensam alguns tontos. Existimos precisamente porque acreditamos nas nossas ideias e nunca tivemos medo de dialogar com o adversário. É o único modo de procurar amizade e paz entre os povos”.
Várias leituras surgem dessas declarações. A mais comum em Miami, berço da comunidade exilada cubana, é a existência de uma aparente divergência sobre o tema entre Raúl e Fidel.
No entanto, Fidel também é conhecido por uma frase pronunciada nos anos 90: “Se [os Estados Unidos] querem dialogar conosco, melhor aproveitar enquanto Fidel esteja vivo”.
“É preciso ver tudo com naturalidade. É lógico que os cubanos esperam que uma abertura com Cuba comece pelo levantamento do embargo. Agora, se isso é viável, não tenho certeza”, comentou Phil Peters, vice-presidente do Lexington Institute e diretor do programa cubano da instituição.
Segundo admitiu um alto funcionário da administração Obama ao diário Miami Herald, entre os analistas existe uma grande incerteza em relação a Cuba. “Estamos analisando Cuba. Sabe-se que Fidel já não está à frente do país, mas sim Raúl, e este está consolidando seu poder”, afirmou a fonte não identificada.
Ele acrescentou, porém, que “a grande pergunta é se isto representa o princípio de uma série de mudanças mais amplas, que levem a algum tipo de abertura política que nos permita conversar com eles de forma inovadora. Isto é o que explica o interesse do Congresso na volta das relações, e explica o interesse na região”.
Onde não há interesse por parte da administração, esclareceu a fonte, é mudar rapidamente o relacionamento bilateral.
Democracia como condição
Aparentemente, apesar do desejo de reconciliação de uma parte dos congressistas, senadores e lobistas nos Estados Unidos, para a Casa Branca e o Departamento de Estado, qualquer movimento será condicionado a uma democratização do país. Ou seja, a posição que Hillary Clinton, a atual secretária de Estado, defendeu durante sua candidatura presidencial.
E, apesar do entusiasmo em círculos políticos favoráveis a Cuba, o certo é que influentes senadores e deputados federais estão agindo em sentido contrário.
“Se vamos conversar com Cuba, muito bem, não tenho problema. Mas vamos conversar sobre como a relação do governo cubano com o seu povo pode melhorar. Como a transição para a democracia pode ou não contribuir para melhorar a vida das pessoas”, disse o senador republicano de origem cubana Mel Martínez.
No entanto, segundo o vice-diretor do Centro de Estudos Cubanos e Cubano-Americanos da Universidade de Miami, Andy Gómez, apesar das incógnitas, o novo processo de relacionamento tem algo de fresco, quase revolucionário, em termos políticos.
“Nestes dias há muita gente tratando de adivinhar o que vai acontecer com Cuba. Durante os últimos 50 anos, a comunidade cubana nos Estados Unidos teve um papel significativo no desenho da política para Cuba. Agora, pela primeira vez, não há escala em Miami. A política exterior norte-americana vai diretamente a Havana”, afirmou Gómez.
Os dissidentes parecem ter ficado de fora. A delegação de congressistas não os citou, e depois da viagem, um grupo de opositores ao regime da ilha fez em Havana um pouco usual pedido a Washington. “Se não conseguem usar apropriadamente em Cuba o dinheiro que nos destinaram, nem se preocupem em mandá-lo. Apliquem-no em outra coisa mais produtiva”, disseram num comunicado as organizações Todos Unidos, Agenda para a Transição e Unidade Liberal.
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