Na Venezuela, a polarização política entre os apoiadores do presidente Hugo Chávez e de seus adversários é um elemento constante no dia-a-dia. E não é lendo os jornais ou assistindo à televisão que se consegue fugir dessa tensão cotifiana. Pelo contrário, a mídia venezuelana converteu-se no espelho da guerra entre os dois campos, com um destaque ainda mais forte em épocas de campanha.
É a conclusão do Grupo de Monitoramento da Mídia (GMM), uma iniciativa montada pela Universidade Católica Andrés Bello, junto com a Universidade de Gotemburgo, Suécia. O GMM já acompanhou três processos eleitorais na Venezuela anteriores ao referendo de domingo (15), que decidirá sobre a aprovação ou não de emenda constitucional que prevê o fim do limite à reeleição.
O Grupo analisou durante pouco mais de duas semanas (22 de janeiro a 4 de fevereiro) 803 peças informativas de televisão (extraídas do jornal principal, noturno) e 477 de rádio (do jornal matutino). Os canais estudados foram a Globovisión, RCTV, Televén, Venevisión, TVES, VTV e Canal I, e as emissoras de rádio RCR, Unión Radio, Radio Nacional e YVKE Mundial.
Para Andrés Cañizales, pesquisador em Comunicação da Universidade Católica Andrés Bello, a pesquisa sublinha que a imprensa venezuelana “não respeita o principio fundamental do equilíbrio informativo, deixando de presentear cada cidadão com as distintas opções para que possa fazer uma escolha de maneira livre e informada”.
Ele considera que os únicos meios de comunicação que refletiram a opinião de ambos os lados foram a Televen, Canal I e Unión Radio. O resto do panorama é muito mais desequilibrado, seja a favor ou contra. O grande canal Globovisión, por exemplo, focou 59% das matérias contra a aprovação da emenda, contra 7% para o “sim” e 34% com um tom neutro.
A cobertura tendenciosa é ainda mais flagrante no caso de RCTV. O canal renasceu sob uma nova forma de sinal, depois de não ter conseguido a renovação da concessão em maio 2007. Na época, a decisão foi interpretada pela oposição como um ataque à liberdade de expressão. O GMM calculou que 91% das peças foram a favor do “não”, 3% a favor do “sim” e 5% neutras. “O desequilíbrio é ainda mais evidente no caso da imprensa estatal, que chega ao ponto de não mostrar nenhum dos atores que rejeitam o projeto de emenda constitucional”, diz Andrés Cañizales.
Vídeo produzido pela reportagem do Opera Mundi mostra apoiadores de Chávez em Caracas, ontem (13)
As cifras são eloqüentes: a rede Venezolana de Televisión (mais conhecida como “canal 8”) produziu 93% matérias a favor do “sim”, 7% neutras, e nenhuma a favor do “não”. A TVES, que nasceu como uma tentativa do Estado de substituir a RCTV, é a mais radical, com 100% do conteúdo informativo monopolizado pelos partidários do “sim”. “A TVES constitui um caso extremo: quando nasceu há dois anos foi apresentado como um projeto de serviço publico, e hoje esta totalmente parcial”, lamenta Andrés Cañizales.
A relação entre Hugo Chávez e os meios de comunicação foi sempre movimentada. Em 1998, vários canais apoiaram a candidatura do ex-oficial pára-quedista. A situação mudou a partir de 2001, quando o presidente firmou uma série de leis, entre elas a que organiza a reforma agrária e a Lei de Hidrocarbonetos, o que trilhava caminhos para a estatização do setor petrolífero.
O auge da crise foi em abril 2002, quando a imprensa convocou os opositores a protestar contra o presidente. No dia seguinte, o golpe de estado frustrado que afastou Hugo Chávez do poder durante 48 horas foi marcado pela interferência midiática. A manchete do jornal El Universal, “Nem um passo atrás”, virou o slogan dos adversários do governo. À medida que o povo cercava o Palácio presidencial de Miraflores, os canais de televisão pararam de transmitir informações sobre o que acontecia na rua. A informação foi substituída por telenovelas e desenhos animados. O canal estatal, VTV, foi tomado pelos golpistas.
Quando voltou ao poder, Hugo Chávez iniciou uma verdadeira batalha de comunicação. O governo criou dois outros canais estatais nacionais (Vive e TVES) e um com alcance internacional (Telesur). Paralelamente, apóia vários canais e rádios comunitários como Catia TV ou Ávila TV.
Além de programas informativos favoráveis ao governo, o presidente usa seu programa dominical Alô, Presidente, para comunicar durante transmissões de até seis horas, os logros do governo. Ele multiplica como ninguém na história do país os pronunciamentos em cadeia nacional. “Chavez tinha razão de lançar uma batalha de comunicação contra os canais golpistas. Mas é uma pena que a televisão publica seja incapaz de fornecer informação de qualidade. É só propaganda mal feita”, afirma um executivo de Ávila TV, que prefere guardar o anonimato.
O caso do deputado europeu
Este sábado, um novo episódio ilustra a dificuldade para obter informações objetivas em relação à campanha. O euro-deputado espanhol Luis Herrero, foi expulso de Caracas pelo governo da Venezuela na noite de sexta-feira (13) a pedido do Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Ele tinha declarado que o Governo de Chávez era uma “ditadura”, que a oposição sofria “ameaças”, que os direitos humanos eram “violados”, questionando também certas medidas adotadas pelo CNE.
A medida foi relatada de maneira muito distinta pela imprensa. Enquanto o diário El Universal dava a palavra aos chefes da oposição, que denunciavam a “agressão” cumprida pelo governo, sem contar o conteúdo das declarações de Luis Herrero, o canal estatal VTV preferia ouvir a única versão do CNE, que justificava a decisão da expulsão.
Após a expulsão, quando viajou ao Brasil, onde chegou este sábado (14), o euro-deputado denunciou ter passado por “uma situação parecida com um seqüestro”, concluindo que o episódio servia para que “os venezuelanos tenham claro que votar 'sim' no referendo é perpetuar este tipo de comportamento”, que é “absolutamente incompatível com uma democracia”.
Matérias em rádios e televisões venezuelanas (%)
Tendência | Radio Nacional | YVKE Mundial | Unión Radio | Radio Caracas | Total |
“Sim” | 74 | 73 | 24 | 12 | 45 |
“Não” | 13 | 2 | 46 | 74 | 35 |
Neutras | 10 | 25 | 28 | 14 | 19 |
Irrelevantes | 2 | 0 | 2 | 0 | 1 |
Total | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 |
Tendência | Globovisión | RCTV | Televen | Venevisión | TVES | VTV | CanalI | Total |
“Sim” | 7 | 3 | 39 | 44 | 100 | 93 | 42 | 35 |
“Não” | 59 | 91 | 39 | 49 | 0 | 0 | 37 | 51 |
Neutras | 34 | 5 | 21 | 8 | 0 | 7 | 21 | 14 |
Irrelevantes | 0 | 1 | 2 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
Total | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 |
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