As relações entre a América Latina e os Estados Unidos estavam há tanto tempo desgastadas que, pela primeira vez, uma Cúpula das Américas deixou de lado o tema do comércio regional e se concentrou num primeiro momento em limar asperezas, polir percepções e promover um conhecimento mútuo.
O presidente norte-americano, Barack Obama, logo pela manhã, consegui atrair a atenção e curiosidade dos seus colegas quando se reuniram no marco da Unasul (União das Nações Sul-Americanas). Foi a primeira vez que muitos deles viram Obama em pessoa. “No início, quando ele entrou na sala, alguns deles não sabiam o que fazer. Ficaram calados. Obama teve de quebrar o gelo, dando bom dia”, contou ao Opera Mundi uma testemunha do momento.
“Acho que nós estamos fazendo progressos nesta cúpula. Pessoalmente, tenho muito o que aprender e estou muito ansioso para ouvir e descobrir como podemos trabalhar juntos de forma mais eficaz”, disse Obama após entrar no recinto da reunião.
Em sua opinião, a Unasul faz um trabalho excelente na região, em terrenos como energia e segurança. “Tenho muito que aprender e estou ansioso para escutá-los e ver uma forma de como podemos trabalhar juntos com mais eficiência”.
Também pela manhã, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, deu mostras de que deseja investir na amizade com Obama, ao presenteá-lo com um exemplar do livro “As veias abertas da América Latina”, do autor uruguaio Eduardo Galeano.
O presidente norte-americano agradeceu o gesto e mais tarde disse que inicialmente pensou tratar-se de um livro da autoria do seu colega venezuelano e estava pensando em retribuir a gentileza com um livro de sua autoria.
A obra ganhou em 1971 o prêmio Casa das Américas, em Havana, e não por coincidência, logo no início da conversa, os presidentes entraram diretamente no tema do reatamento das relações dos Estados Unidos com Cuba.
Cuba
Um alto funcionário da administração Obama revelou que o tema cubano ocupou 20% do encontro de hora e meia, e todos os presidentes pediram ao presidente norte-americano que levante o embargo econômico à ilha.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi mais longe e fez notar a Obama que a integração regional de Cuba é inevitável, a ponto de dizer que “é muito difícil que haja uma nova Cúpula das Américas e Cuba não esteja presente”. Obama prometeu estudar o assunto.
Segundo o alto funcionário, que pediu para não ser identificado, o presidente recordou aos seus colegas que eles foram eleitos democraticamente, de modo que devem trabalhar para garantir que a democracia e o respeito pela lei também sejam prioridades cubanas.
“Ele lhes disse que tudo o fazemos em relação a Cuba é baseado em uma preocupação real pela democracia. E foi particularmente preciso em apontar que os membros do Unasul também devem se preocupar com isso”.
Agora, “também ficou claro durante a reunião que todos os presidentes querem ver o levantamento do embargo econômico o mais rápido possível”, admitiu a fonte. Cuba é o único país do continente que não participa da cúpula.
“Tempos mudaram”
Na saída, o ministro das Relações Exterior, Celso Amorim, apontou que os tempos mudaram. “A visão dos Estados Unidos em relação à América Latina está mudando e esta reunião é a prova”, afirmou.
Em sua opinião, Obama deu provas de “uma grande capacidade de ouvir e refletir sobre o que ouve”.
“Agora, resta esperar para que haja uma avanço em relação a Cuba. Já assistimos a pequeno passos [dos Estados Unidos] na direção correta e agora, em vez de ver quais serão os próximos, tem de haver um diálogo direto. Claro que não nos compete dizer como esse diálogo deve ser feito, mas penso que já existe a abertura necessária”, acrescentou Amorim.
“Não se pode perder esta oportunidade”, sublinhou.
Cristina Kirchner (Argentina), Lula (Brasil) e Rafael Correa (Equador)
Hillary
No resto do encontro, os presidentes se concentraram em temas como o desenvolvimento econômico e o combate à pobreza. Foi também a oportunidade de avaliar as posições do presidente norte-americano, eventualmente fazendo queixas sobre as administrações anteriores e sublinhando a necessidade de reparar desentendimentos.
Nisso, o presidente Lula tomou a iniciativa, sugerindo a Obama o envio da secretária de Estado, Hillary Clinton, a Venezuela e Bolívia para resolver todas as diferenças com os respectivos países.
Hillary, que assistiu a tudo ao lado de Obama, teve uma reunião separada com Chávez. O presidente venezuelano saiu do salão em estado de êxtase, prometendo de imediato que enviará a Washington um novo embaixador.
“Sinto um grande otimismo e tenho a melhor das vontades para avançar e penso que começamos com o pé direito. Chegou o momento de um novo começo, o inicio de um momento histórico, onde acabam os mecanismos de dominação e haja um equilíbrio”, disse o presidente venezuelano.
Contato direto
Para o presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, a conversa “abriu a possibilidade de um contato mais direto e fluido, algo que foi muito difícil com anteriores governos norte-americanos”.
Vásquez revelou que Obama decidiu que, a partir de agora, todos seus ministros podem contatar diretamente os presidentes latino-americanos e conversar sobre o que precisarem.
Aparentemente, assinalaram observadores, a conversa foi tão fluida e todas as cartas postas em cima da mesa, que Amorim disse que Brasília está confiante que a cúpula continuará com o mesmo clima positivo com que decorreu a reunião.
Este ambiente, acrescentou Amorim, poderia levar a Venezuela e demais países do Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas) a assinarem a declaração final da cúpula, que prometeram boicotear. “Existe a expectativa de que com este clima de diálogo, seja encontrada um solução”, disse o ministro brasileiro.
Na entrada, o presidente boliviano, Evo Morales, membro do Alba, deu a entender que, se for retirada a menção à industria dos biocombustíveis da declaração final, ele não tem problemas em a subscrever.
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