A política monetária não foi o único instrumento utilizado pelos países latino-americanos para revitalizar a economia.
No Chile, a presidente Michelle Bachelet anunciou um pacote econômico de 4 bilhões de dólares em maio, soma que foi dobrada em junho. “O governo chileno aproveita o dinheiro acumulado no Fundo de Estabilização econômica e social (FEES), no qual vão os benefícios do cobre quando o preço do metal é muito alto”, explica Lia Valls, pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas.
No Brasil, Silvio Campos Neto, economista-chefe do Banco Schahin, destaca “a importância das desonerações tributárias em determinados segmentos de bens duráveis (veículos, linha branca, material de construção), estimulando o consumo e a produção destes itens”. Na linha branca, a produção saltou de 20% em maio e junho, em relação ao mesmo período em 2008, enquanto as montadoras já preveem um recorde de vendas neste ano.
Os gastos do Estado por meio do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e os investimentos das estatais deveriam ser a principal fonte de atividade econômica. De acordo com cálculos do Ministério da Fazenda, a Petrobras sozinha responderá por quase a metade do crescimento. A estatal deveria desembolsar investimentos por 1,7% do PIB (contra 1,3%, em 2008, e 0,9%, em 2007). Apenas no primeiro trimestre, a Petrobras investiu cerca de 14,4 bilhões de reais, 41% a mais do que em igual período de 2008.
“A crise sinalizou o grande retorno da política como protagonista para a construção do futuro na América Latina”, opina Alicia Bárcena, secretária-executiva da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe). Ela considera que a situação econômica atual acabou com a ilusão de um mercado resolvendo todos os problemas sem a ação do Estado. “O gasto social em tempo de crise é muito importante”, destaca Bárcena, lembrando que a América Latina demorou 12 anos para recuperar o nível de crescimento prévio da crise econômica de 1980, mas precisou de 24 anos para voltar aos níveis de pobreza anteriores a esta mesma crise.
Até os organismos multilaterais como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial incorporaram esta mudança. “Os novos empréstimos do FMI, como aquele de 40 bilhões feito ao México, vêm com poucas condições, o que facilita sua eficiência. No passado, demoravam muito, e as condições fiscais drásticas tinham efeitos negativos sobre a demanda interna”, acrescenta Lia Valls.
Próximo passo
Menos golpeada que outras regiões, a América Latina deve agora provar sua capacidade de integrar esta melhora de maneira estrutural. Os países que resistiram mais à crise e onde a atividade está decolando mais rapidamente são os que conseguiram construir uma economia com um mercado interno importante, um sistema financeiro sólido e exportações diversificadas.
A economia brasileira foi uma das menos afetadas graças à relativa independência do comércio internacional. As exportações respondem por apenas 14% do PIB. No Chile, esse patamar é de 39% e na Costa Rica chega a 46%. É também o peso do mercado doméstico que explica a atração dos investimentos e por essa razão as multinacionais apontaram o Brasil como o quarto destino preferido para investimentos nos próximos dois anos, segundo uma pesquisa da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento).
O México, que exporta mais de 80% de seus produtos para os Estado Unidos, está numa situação bem mais frágil que o Brasil, cujo principal comprador, a China, não ultrapassa 20% das vendas. “Infelizmente, esta situação não provocou uma mudança de atitude dos empresários mexicanos, existe uma inércia grande”, lamenta Hilda Garcia, que dirige a edição multimídia do diário El Universal.
O economista argentino Federico Villalpando demonstra a mesma preocupação. “Não há dúvidas que a Argentina está bem mais preparada hoje para uma crise econômica que há dez anos. Mas acho que a procura para diversificar as exportações, a reforma fiscal, a acumulação de reservas e as medidas para aumentar a produção local poderiam ter sido melhores durante os anos de crescimento econômico”.
Na Venezuela, a pergunta é se o governo vai conseguir reverter a dependência extrema a um único produto, o petróleo, que representa 93% de suas entradas de divisas. No Brasil, o risco é ver as matérias-primas, que geram pouco emprego e desenvolvimento, tomar o espaço de produtos industriais nas vendas do país. “Veremos se a crise vai incentivar uma mudança na arquitetura financeira da região”, sublinha Lia Valls.
Sem acesso ao crédito, a Argentina está obrigada a reconsiderar sua rejeição ao FMI, enquanto o México depende dos bancos norte-americanos, que são grandes atores no país. Também a partir desse ponto de vista, o Brasil foi o mais sólido, com 79% do crédito que vem do setor financeiro nacional. A presença de bancos nacionais potentes faz do país um caso a parte na América Latina, que alguns vizinhos estão pensando em copiar. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), por exemplo, vai desembolsar 50 bilhões de dólares este ano, mais de quatro vezes o volume de empréstimos previstos pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), para toda América Latina (12 bilhões).
Ilusão?
O economista argentino Cláudio Loser, que trabalha como pesquisador no The Inter-American Dialogue, considera que a recuperação econômica da América Latina pode ser só uma ilusão enquanto os governos não entenderem a necessidade de medidas estruturais.
Ele acabou de publicar uma pesquisa comparando as diversas regiões do mundo nas questões de educação, investimento e competitividade. “A região fez seu dever de casa sobre a gestão macroeconômica, mas está ainda muito atrasada nesses indicadores estruturais para esperar prosperar”, explica.
Seu compatriota, o economista Federico Villalpando, é um pouco mais otimista. “O fato de o debate sobre política econômica, medidas fiscais, produção e emprego existir demonstra que América Latina amadureceu bastante”.
Leia a primeira parte:
Índices e pesquisas apontam rápida recuperação econômica na América Latina
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