Autodeterminação das nações e dos povos e nacionalismo parecem mesmo dois conceitos iguais, mas não são. O primeiro está inscrito em todas as decisões políticas da social democracia e dos comunistas como um princípio democrático, como um direito fundamental dos povos e das nações. Exemplo do respaldo às lutas das colónias do fim do século XIX, que viviam presas nas “cadeias das nações” centrais imperialistas.
Vale também para as nações integrantes de Estados unitários cujo povo decide separar-se. Ou ainda para nações que decidem integrar um Estado confederado ou mesmo uma federação. Basta que sejam decisões democráticas, tomadas soberanamente pelo povo e pela na nação.
Já o nacionalismo pode ser tanto uma forca reacionária e imperialista como uma forca progressista, libertária. O nacionalismo das potências coloniais na primeira guerra mundial, por exemplo, foi manto para a cobiça e a guerra de partilha do mundo colonial entre Franca, Grã-Bretanha, Alemanha, Rússia, Turquia, Japão e, depois, Itália e Estados Unidos. Isso sem falar no nacionalismo imperialista da Alemanha Nazista, da Itália Fascista e do Japão imperial.
Mas são inúmeras as guerras de libertação nacional registradas pela história, algumas dirigidas e hegemonizadas por forças de esquerda, comunistas, e outras por facções da burguesia, por grandes proprietários e até mesmo por reis e sheiks. Na Argélia, na China ou no Vietnã, as guerras de libertação nacional e as lutas pelo socialismo caminharam juntas, dirigidas pelos partidos comunistas e apoiadas fundamentalmente no campesinato e na nascente classe operária. No processo de descolonização da África, tivemos Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde, nações próximas a nós, com suas guerras e lutas de libertação, sob as mais diferentes lideranças e forças econômicas e sociais, mas todas guerras de libertação nacionalistas e anticoloniais.
O caso da Catalunha diz respeito a um Estado monárquico e unitário, a Espanha, onde não existe o princípio democrático de adesão ou separação – não há reconhecimento histórico e, tampouco, constitucional. Trata-se, desde sempre, de um império sob uma monarquia, até hoje com sonhos coloniais na África, especialmente em relação a Ceuta e Melilla.
A Espanha, temendo as causas basca e catalã, recusou-se, inclusive, a reconhecer a independência de Kosovo, apesar das pressões da União Europeia. Aliás, uma grande contradição da União Europeia, que agora vira as costas para a independência da Catalunha.
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Toshiko Sakurai/Flickr CC
Manifestantes protestam em Barcelona pela independência da Catalunha
Qual a natureza da luta dos independentistas da Catalunha, se eles têm, sim, o direito à separação do Estado monárquico unitário espanhol, mas não pela Constituição espanhola ou pela carta das Nações Unidas – Declaração sobre a Concessão de Independência aos Países e aos Povos Coloniais (Resolução 1514 XV) da Assembleia Geral, de 14 de dezembro de 1960?
A realidade é que não há no direito internacional uma relação direta entre direito à autodeterminação e o direito de independência de um Estado quando se trata de separação de povos e nações que integram estados unitários – seja pela força seja por razões históricas – e não de descolonização.
É fato que a burguesia catalã comanda o processo de independência e a esquerda tem um papel secundário. Também é fato que seu motor é o peso que representa para a Catalunha – que se considera a locomotiva da Espanha, como São Paulo em relação ao Brasil – fazer parte de uma Espanha estagnada e arcar com o peso de impostos que, para a elite catalã, no fundo sustentam as outras regiões pobres do país.
O problema é que não é só a Catalunha que quer independência ou uma confederação, mas também País Basco, Galícia e Valência, fora a questão das ilhas Canárias e Baleares.
Assim, se por um lado os interesses da burguesia catalã podem e devem ser questionados, por outro o Estado unitário monárquico espanhol, centralizado em Madrid e sustentado pelo Partido Popular e pelo PSOE, num pacto com a burguesia em torno da Espanha monárquica e centralista, não é solução. A saída aponta para a constituição de um Estado republicano e confederado, de adesão voluntária, que vá além das atuais autonomias e avance para uma união livre, com direito a separação e adesão, sem os grilhões que Lenin chamava de “cadeia das nações”. Não há como não reconhecer os povos e as nações bascas, valenciana e catalã com identidade própria, língua, cultura, história e direitos nacionais.
O que não se pode aceitar, em hipótese alguma, é a posição do governo central espanhol ancorado na aliança PP-PSOE de tratar a decisão de independência do povo catalão como um “caso de polícia” e de usar a força para resolver essa grave e histórica questão, que envolve, como vimos, não apenas a Catalunha, mas também o País Basco, a Galícia e a Valência.
São realidades históricas – povos com culturas, língua e costumes, tradição e memória -, que se cruzam com interesses econômicos e políticos, sem dúvida. E nada apaga o fato histórico de que não há saídas para os povos dentro do cárcere do Estado madrilenho unitário e centralizado. Os bascos já se levantaram em armas e, agora, o povo catalão, pela via democrática.
Fica a pergunta: que ilusões ou sonhos de grandeza levam Madrid a, de novo, repetir o erro histórico de não reconhecer o direito dos povos à independência numa republica confederada?
Sem justiça não há direito que se sustente. E a Espanha monárquica e centralista não tem resposta para o direito legítimo e histórico reivindicado pela maioria catalã: a independência.