“Trabalho na rua desde criança. Meus pais não me puseram na escola. Por isso é muito difícil conseguir um emprego”, conta Carol Orozco, uma vendedora ambulante de 31 anos da Guatemala, repetindo uma história comum na América Central.
Orozco diz que agora deve ir à luta porque tem quatro filhos para criar e o pai não lhes dá atenção, enquanto oferece guloseimas aos motoristas em uma rua no centro da Cidade da Guatemala, aproveitando o semáforo vermelho.
Ela faz parte de um contingente de mulheres centroamericanas que trabalham na economia informal, setor no qual superam com folga os homens.
Cerca de 64% das mulheres da região trabalham neste setor, ante 50% dos homens, segundo o Terceiro Informe sobre Mercado de Trabalho na América Central e República Dominicana, elaborado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Sistema de Integração Centroamericana (Sica).
Orozco adoraria contar com um seguro social, um salário e benefícios trabalhistas, pois os 214 dólares ganhos por mês só dão para sobreviver e vestir, alimentar, educar e manter a saúde dos filhos.
“Aqui trabalho, sem banheiro nem água, das sete da manhã às oito da noite, sob o sol, a chuva e o frio”, diz a vendedora, armada de doces e guloseimas que, qual munições, leva atados ao corpo para oferecer aos motoristas no semáforo.
Ela se recorda de uma vez em que conseguiu um emprego formal como vendedora de seguros funerários. “Ofereceram-me 900 quetzais (107 dólares) por quinzena, mas, depois de ter vendido vários seguros e reclamar meu dinheiro, não me pagaram”, contou, decepcionada.
Agora ela trabalha em uma esquina da zona 9 da capital, uma região de prédios de escritórios muito movimentada, onde concorre com outros 11 vendedores ambulantes, com os quais divide o lugar de trabalho e também as desvantagens da economia informal.
Das mulheres trabalhadoras da Guatemala, 73% estão no setor informal; em El Salvador, 64%; e na Costa Rica, 45%, segundo o estudo, que qualifica como informal o autoemprego, o assalariado em microempresas irregulares, o trabalho não-remunerado e o serviço doméstico.
A pobreza, a falta de educação e a discriminação complicam o panorama do trabalho para a mulher na região. Mesmo assim, a população economicamente ativa feminina cresce desde 2001 em ritmo mais rápido que a masculina, de acordo com o levantamento divulgado em outubro.
“Quem tem filhos não consegue trabalho”, relata Paulina Mazariegos, de 32 anos, enquanto oferece frutas frescas em uma cesta e cuida do filho Erick, de dois anos, perto de um ponto de ônibus na capital.
Ela conta que ganha apenas 3,5 dólares por dia, porque só fica com uma parte das vendas, enquanto o resto vai para a dona do pequeno negócio que fornece a mercadoria.
Situação precária
Mazariegos sabe que sua situação trabalhista é muito precária, em parte porque nunca foi à escola, já que “antigamente os pais não mandavam os filhos estudar”. Assim, ela ganhou a vida trabalhando em casas particulares ou vendendo comida.
Cerca de 38,4% da população ocupada da América Central não terminaram o ensino fundamental e 73% têm, no máximo, ensino médio incompleto, segundo o informe. Dos 20 milhões em idade de trabalhar, 60% têm “baixa qualificação”, diz o estudo.
A região, com 43 milhões de habitantes, é considerada uma das áreas mais desiguais do mundo, onde metade da população vive em condições de pobreza, segundo organismos internacionais.
Nesse contexto, as mulheres têm menos oportunidades de emprego, ganham menos do que os homens em todos os setores, especialmente o manufatureiro, e sofrem um ponto a mais de desemprego do que os homens.
A ministra salvadorenha do Trabalho, Victoria Velásquez, lembrou que duas em cada cinco pessoas que compõem a força de trabalho da área são mulheres, e que isso obriga os Estados a adotar políticas de “maior inclusão” para não forçá-las a se refugiar nos nichos de trabalho mais precários.
A força de trabalho da América Central e da República Dominicana (país caribenho somado à sub-região dentro da OIT) é de 20 milhões de pessoas, das quais 61,9% são homens e 38,1%, mulheres, com um elemento que chama a atenção: 60% da mão-de-obra se autoemprega ou é informal.
A chave está na educação. O índice de participação no emprego de mulheres com ensino superior é de 69,4%, enquanto apenas 34,6% das que carecem de instrução são economicamente ativas.
A participação trabalhista feminina é maior na Guatemala (44,7%), seguida por Panamá (43,3%), Costa Rica (41,6%), El Salvador (41,3%), Nicarágua (38,5%) e Honduras (36%).
Otto Navarro, da organização não-governamental norteamericana Iniciativa para a Equidade Global, diz que o trabalho informal está crescendo na região, segundo um estudo realizado por sua instituição em 2009 na Guatemala e na Nicarágua.
Barreiras de gênero
Como parte deste fenômeno, ele destaca a participação da mulher nas vendas nas ruas, no setor do artesanato e no trabalho agrícola.
As barreiras de gênero saltam aos olhos em suas pesquisas. Cerca de 31% dos entrevistados na Nicarágua responderam que os homens têm mais oportunidades do que as mulheres para conseguir trabalho.
A discriminação trabalhista é recorrente nos países centroamericanos. “Vim montar meu negócio com roupas e os outros vendedores disseram que eu não podia fazê-lo. Então tive de mudar meu produto e agora vendo acessórios”, relata Ada Ortiz, de 33 anos.
Obrigada pelo pouco que ganha em seu emprego formal de terapeuta pulmonar, Ortiz instalou a pequena venda em um mercado da capital guatemalteca, a fim de melhorar a renda e sustentar os dois filhos.
Luis Felipe Linares, ex-ministro do Trabalho da Guatemala e agora membro da ONG Associação de Pesquisa e Estudos Sociais, afirma que há uma presença importante de mulheres e jovens no emprego informal, enquanto persiste a discriminação de gênero.
“As mulheres têm rendas menores em atividades similares às praticadas pelos homens. Também são os homens que têm mais acesso ao capital para montar negócios maiores, e isso lhes permite obter mais renda”, disse o especialista.
O principal obstáculo à criação de empregos formais na América Central surge nas negociações entre os setores empresarial e trabalhista, porque “é uma negociação entre desiguais”, segundo Linares.
“A questão trabalhista se resolve com base na negociação. No entanto, para que o diálogo dê resultados benéficos para a maioria, é necessário que o campo de jogo fique mais equilibrado e que haja um bom árbitro com capacidade de propostas e peso”, afirmou.
Crise
Irma Montes, dirigente da Confederação de Unidade Sindical da Guatemala, avalia que o Tratado de Livre-Comércio da América Central com os Estados Unidos (Cafta, na sigla em inglês) e a crise econômica mundial aceleraram a incorporação das mulheres à economia informal.
“As mulheres até inventam formas de vender nos mercados ou na rua. Agora mesmo acabamos de assistir à formalização de um sindicato de vendedores de comida em triciclos”, disse Montes.
Mas não é fácil manter o negócio. “Às vezes não lhes permitem vender, recolhem sua mercadoria porque não têm autorização ou por estarem em locais proibidos”, acrescentou Montes, ao detalhar os maus-tratos sofridos pelas vendedoras ambulantes.
As mulheres “expõem sua vida diariamente porque precisam sobreviver”. Elas e suas famílias, que, em alto grau, “estão sob sua exclusiva responsabilidade”, conclui.
Publicado originalmente pela IPS
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