Atualizada às 14h47 do dia 28/04/2015
Agência Efe
O presidente Joko Widodo (centro) junto ao embaixador indonésio no Brasil e à ministra de Relações Exteriores; relação entre os dois países tem se deteriorado desde a execução de um brasileiro em janeiro
“Não haverá clemência para os condenados por crimes relacionados a drogas ilegais”, disse o então recém-empossado presidente da Indonésia, Joko Widodo, na universidade de Yogyakarta, em dezembro do ano passado. “Todos os dias, entre 40 e 50 indonésios, a maioria jovens, perdem a vida devido ao uso de drogas.”
Assim o sétimo presidente da Indonésia, um homem que se apresentou como defensor dos direitos humanos durante a campanha eleitoral, condenou 64 pessoas à execução por um pelotão de fuzilamento.
No dia 18 de janeiro, as sentenças de morte de duas mulheres e quatro homens de países como Brasil, Holanda, Vietnã, Malawi e Nigéria foram cumpridas. O que levou Jokowi a essa decisão?
Durante a campanha eleitoral, Jokowi foi criticado por não ser tão “firme” e “decisivo” quanto seu rival, Prabowo Subianto. “Na administração de Jokowi, a pena de morte é usada como uma ferramenta política para mostrar rigidez contra os infratores”, disse Ricky Gunawan, diretor do LBH Masyarakat (Instituto Comunitário de Assistência Jurídica), sediado em Jakarta. “É uma forma fácil para Jokowi ganhar notoriedade.”
A Indonésia é dominada por uma agenda antidrogas promovida por certos grupos da sociedade civil. Essa agenda é seguida pela mídia, que publica histórias que contribuem para a condenação irrestrita de todas as drogas ilegais e de seu uso, sem diferenciar entre usuários, mulas do tráfico e grandes traficantes.
Para Gloria Lai, diretora sênior de políticas do Consórcio Internacional sobre Política de Drogas (IDPC, na sigla em inglês), procuradores da Indonésia veem os delitos ligados às drogas como um “crime extraordinário” e justificam com a afirmativa de que “drogas matam”. “Se as pessoas morrem pelas drogas, então é uma questão que precisa ser enfrentada com medidas dentro da área de saúde pública”, acredita ela. “Matar pessoas por causa disso é uma resposta totalmente desproporcional ao problema.”
Não se sabe ao certo porque algumas drogas são consideradas ameaças maiores. O cigarro e o álcool também matam, mas aqueles que os vendem não são presos, julgados e obrigados a encarar a pena de morte na Indonésia.
“O presidente Jokowi e o público indonésio precisam aceitar que o tráfico de drogas não é um crime letal”, disse Patrick Tibke, da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres. “Os traficantes de drogas não têm a intenção de matar seus clientes, da mesma forma que as empresas de tabaco não pretendem matar os fumantes. É exatamente isso que distingue um assassinato de um acidente: intenção premeditada de matar.”
Nas ruas, a Agência Nacional Antinarcóticos do país, ou BNN, segue a linha dura do modelo da “guerra às drogas” que está perdendo a credibilidade e o apoio em várias partes do mundo, especialmente na América do Sul. Na Indonésia, no entanto, essa abordagem recebe o louvor da mídia e da sociedade civil, que pressionam o governo para cumprir a pena de morte aos condenados por crimes relacionados às drogas ilegais.
De acordo com Gunawan, a polícia recebe bônus não-oficiais para as prisões dos suspeitos de tráfico. A polícia, portanto, faz o que pode para encontrar e prender infratores da legislação antidrogas, até mesmo forjando provas. Além disso, a definição legal dessas infrações é ampla. Se um carro for usado para o transporte de drogas sem o conhecimento do seu dono, por exemplo, ele pode ser preso, acusado e condenado por tráfico de drogas.
“A lei indonésia é muito frouxa em sua interpretação sobre o que seria um crime. É fácil para os policiais usarem isso para prender pessoas envolvidas na distribuição de drogas, até mesmo de quantidades muito pequenas, ou pessoas que foram envolvidas involuntariamente”, diz Gunawan.
Além disso, a aplicação da pena de morte é predominantemente popular na Indonésia. “A maior parte do público indonésio ainda apoia a aplicação da pena de morte, especialmente para os condenados por tráfico de drogas”, disse Tibke. “Pesquisas de opinião pública realizada por jornais e outros veículos de comunicação tipicamente mostram cerca de 75% de apoio às execuções de traficantes e terroristas condenados, e cerca de 70% de apoio às execuções de funcionários do governo condenados por corrupção em larga escala.”
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Agência Efe
O australiano Michael Chan e o indonésio Chinthu Sukumaran, cujos irmãos Andrew Chan e Myuran Sukumaran foram condenados por tráfico e estão no corredor da morte na prisão Kerobokan, em Bali
Apesar de sua popularidade, a base legal para aplicar a pena de morte na Indonésia não existe para condenações por tráfico de drogas. O país ratificou o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ICCPR, na sigla em inglês) em 2005. O artigo 6º do pacto afirma que, nos países em que a pena de morte ainda não foi banida, esta deve ser mantida apenas para “os crimes mais graves”. Nada menos do que quatro organismos da ONU têm afirmado consistentemente que os delitos de drogas não deveriam ser considerados crimes graves e, em março de 2014, a Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (INCB, na sigla em inglês) incentivou os países a abolirem a pena de morte para crimes relacionados com drogas. A Indonésia faz parte dessa junta.
“Não há base legal para a imposição da pena de morte nesses casos”, diz Lai. “É uma violação dos direitos humanos e não há eficácia na sua aplicação. A justificativa é que irá assustar as pessoas, fazendo com que não levem drogas para dentro do país. No entanto, todos os números que apresentamos mostram que a disponibilidade das drogas no país está aumentando.”
Segundo especialistas, drogas ilegais se tornam mais valiosas quando usuários e traficantes são ameaçados com punições mais severas.
“O presidente Jokowi deveria estar ciente de que aplicar penas mais severas para tráfico de drogas geralmente tem um efeito contraproducente no mercado de drogas. Este efeito é conhecido como prêmio de risco: quanto maior o risco para um possível traficante, maior o prêmio de risco que ele pode cobrar do cliente”, disse Tibke. “A pena de morte incentiva mais produtores a produzirem e traficantes a traficarem. Com certeza este não é o efeito ‘dissuasivo’ que Jokowi quer.”
Apesar da rigidez na política de drogas indonésia, ainda há esperanças. Gunawan aponta que Jokowi, apesar da pressão da mídia e da sociedade civil, está cercado por assessores preocupados com questões de direitos humanos.
Gunawan também acredita que, apesar do ambiente predominantemente antidrogas, há muitos políticos com atitudes progressistas, apesar de “ser raro proferirem essas opiniões e defenderem essas posições publicamente.”
Lai também vê motivos para o otimismo. “Sabemos que a Indonésia está avaliando mudar a lei para diferenciar entre pessoas que usam drogas e pessoas que as negociam e traficam em grandes quantidades”, afirmou. “Há grupos da sociedade civil trabalhando duro para transformar a Indonésia e tornar a sociedade melhor, e o governo parece estar aberto a trabalhar com essas organizações e a ouvi-las. Estou mais otimista com relação à Indonésia do que a outros países da região.”
Em todo o mundo, a maré da guerra às drogas parece estar virando. Países como Portugal e Holanda mostraram que a introdução de leis que descriminalizam as drogas é uma forma eficaz de reduzir as mortes por overdose e as transmissões de HIV entre usuários de substâncias intravenosas. Os países da América do Sul que querem acabar com a guerra às drogas têm pressionado pela antecipação de uma sessão especial na Assembleia Geral da ONU sobre a questão, de 2018 para junho de 2016.
Para Gunawan, “a Indonésia deve seguir em direção à abolição, avaliar os pedidos de clemência com atenção e implementar passos em direção à abolição, estabelecendo uma moratória à pena de morte. E aqueles que estão no corredor da morte devem ter suas sentenças comutadas para prisão perpétua”, afirmou.
“O presidente Jokowi ostenta com orgulho sua intenção de matar, e é aplaudido de forma sádica por isso”, adicionou Tibke, “enquanto os traficantes de drogas que ele quer eliminar são meramente culpados de tentar fornecer uma substância para um mercado que a consome voluntariamente”.
Tradução: Jessica Grant
Matéria original publicada na revista Southeast Asia Globe, que se dedica à cobertura de política e sociedade no Sudeste Asiático.