Tristan Nitot
Lauren Anderson em evento em Paris: consumo colaborativo é um meio de agir viável e de potencial expansão
Apontada pela revista “Time” como uma das “10 Ideias que Vão Mudar o Mundo”, o consumo colaborativo é uma evidência da mudança de valores do consumidor, da substituição da propriedade pelo acesso. A organização Consumo Colaborativo (www.collaborativeconsumption.com) tem atualmente uma rede de curadores globais baseados em 20 países, em todos os continentes, exceto a Antártida, que registram e divulgam notícias, eventos, empregos, oportunidades e estudos sobre o tema. Lauren Anderson é a diretora de Conhecimento do Laboratório Colaborativo, com foco em inovação.
Como funciona na prática o consumo colaborativo?
O consumo colaborativo representa a reinvenção de comportamentos tradicionais no mercado, como o aluguel, o escambo, a permuta, com o uso de tecnologia que nos permite trocar e colaborar em uma escala que não teria sido possível antes.
Além dos EUA, onde mais esse conceito vem sendo adotado, e de que maneira?
O maior equívoco em torno do consumo colaborativo é achar que se trata de uma tendência completamente nova que emergiu do Vale do Silício e de São Francisco, de maneira geral. Na verdade, algumas das primitivas formas de consumo colaborativo não tinham talvez a tecnologia disponível hoje, mas ideias como carona solidária e compartilhamento do carro, por exemplo, são de fato adotadas na Europa há décadas. Atualmente, uma camada tecnológica permite que isso aconteça em uma escala muito maior. E coisas como a carona compartilhada têm sido mais bem-sucedidas como uma tendência geral na Europa, como é o caso do Reino Unido, do que nos Estados Unidos.
Outros negócios centrados na tecnologia, como o eBay, que vieram dos EUA, estimulam essas guinadas na direção do comércio pela Internet, e “re-comércio”, mas também deram condições às pessoas de ganharem confiança umas nas outras para negociar e trocar seus bens.
Você deve ter visto muitos tipos de negócios e startups nesse ramo. O que você acha que torna um negócio de consumo colaborativo um sucesso?
O negócio do consumo colaborativo funciona melhor quando soluciona um problema real ou um ponto fraco. Ao longo do último ano mais ou menos o espaço se tornou um pouco supérfluo especialmente em certos segmentos, como o compartilhamento de alimentos, que normalmente é tido apenas como “legal de se fazer”, mas não, de fato, algo critico no dia a dia. As ideias mais bem-sucedidas surgiram de pontos frágeis que são recorrentes, seja a reserva de acomodações ou a necessidade de acesso a alguma coisa.
Os empreendedores são muito ambiciosos e costumam oferecer de tudo para o mercado em nível nacional ou para qualquer circunstância, quando o que deveriam realmente estar fazendo é tentar resolver um problema pontual, por exemplo, para os amantes de cães em Santa Mônica, e ter esse foco hiperespecífico. Acho que essa é a única maneira de verdadeiramente se construir massa crítica, se certificando de que você tem a ideia certa de negócio que equilibre as necessidades de ambos os lados.
Até que ponto nós precisamos ser reensinados a dividir, considerando que já são 50 anos de propaganda nos dizendo que precisamos ter nossas próprias coisas? Qual o papel que o compartilhamento colaborativo pode ter na criação de uma comunidade?
Há muito poucos negócios de consumo colaborativo que fazem sua divulgação partindo primeiramente de um ângulo ambientalista ou do ângulo da perspectiva social. Em geral, nossa motivação principal é a de participar por razões de interesse pessoal – para ganhar ou economizar dinheiro, por ser mais conveniente ou por termos mais opções.
Então, esse é de fato o ponto inicial para as pessoas que recorrem ao consumo colaborativo. Mas é por meio desse processo de compartilhar que aprendemos a ver outras vantagens, quando começamos a reduzir nossos níveis de consumo e examinarmos a possibilidade de acessar um estoque compartilhado. Portanto, há definitivamente um processo de aprendizagem que caminha junto. Algumas empresas se saem melhor na educação seguindo essas linhas enquanto outras só apelam para as motivações essenciais de independência e benefício pessoal, e mantêm a comunidade bastante isolada. Ou seja, há diferentes exemplos em ambos os casos.
Reprodução
Ilustração do livro “What's Mine Is Yours: The Rise of Collaborative Consumption”
Como tem sido a resposta da indústria? Eles abraçaram a ideia?
Temos visto as duas abordagens. Vimos uma abordagem negativa na falta de apoio do setor hoteleiro, ou nos grupos de lobby dos taxistas, por exemplo, que se posicionaram contra empresas como a Airbnb ou as startups de viagens compartilhadas, como a Lyft e a Uber. Eles fizeram campanha contra esses novos negócios porque naturalmente estão com medo de prejuízos. Mas eles também percebem que esses negócios obtêm vantagens que eles não são capazes de ter porque, por exemplo, os motoristas da Lyft não precisam pagar taxas de licença de serviço já que não são oficialmente taxistas. Ou os hóspedes do Aribnb não têm de pagar os impostos da área hoteleira porque não são oficialmente um hotel. Portanto, é necessário haver alguma equalização.
Em se tratando das iniciativas mais positivas, o compartilhamento de carros em sua atual forma está em andamento há cerca de dez anos. Mas nós estamos agora começando a ver montadoras de automóveis percebendo que está havendo um autêntico distanciamento da posse de carros – um modo diferente de pensar sobre isso – e algumas empresas estão aderindo a isso. Vimos a Ford e a GM criarem parcerias com empresas de serviço de aluguel de carros por compartilhamento (“carsharing”), como a Zipcar e a RelayRides. Também vimos outras montadoras, especialmente na Europa, lançar marcas próprias destinadas ao “carsharing” – a BMW lançou o DriveNow, a Volkswagen, o Quicar, e a Daimler, o Car2Go. E todas elas estão tendo grande sucesso e até mesmo lucratividade nos primeiros anos de lançamento. Portanto, essa é uma iniciativa realmente positiva.
Você observou algum exemplo em particular de transformação, mesmo em nível bem local, em que o consumo colaborativo uniu uma comunidade ou alterou um ciclo de produção/consumo em um setor ou economia?
Alguns dos grandes exemplos estão na realidade em países que experimentaram crises severas, econômicas ou de outro tipo. A Grécia em especial teve uma trajetória ruim nos últimos dois anos, e vimos alguns exemplos bastante interessantes de consumo colaborativo que surgiram em meio à crise.
Um desses exemplos, da Grécia, é chamado de “Gine Agrotis”, que significa “Torne-se um Fazendeiro”. Em vez de os fazendeiros produzirem comida para os grandes varejistas locais, eles basicamente arrendam lotes de suas terras para moradores da cidade que podem encomendar determinadas frutas ou vegetais para serem plantados nessas terras, e assim eles obtêm uma remessa semanal ou quinzenal do produto tirado da terra. Desse modo, eles se tornam diretamente responsáveis pelo apoio aos meios de subsistência dos agricultores e também têm uma participação na produção da própria comida, e podem visitar a fazenda, ver o que está sendo plantado lá e até mesmo ajudar. Isso obviamente muda também nosso relacionamento com os alimentos que estamos comendo.
Reprodução Facebook
Solução grega: fazendeiros arrendam lotes para moradores da cidade que podem escolher a produção
Um artigo recente na “Economist” destacou alguns entraves, como o seguro para negócios de aluguel compartilhado de carros, e você também mencionou alguns antes. Quais são na sua opinião os maiores desafios para o avanço do consumo colaborativo?
A legitimidade do movimento no meio dominante é um grande entrave. Ele precisa ser capaz de mostrar que este é um meio de agir viável e de potencial expansão. Um jeito importante de fazer isso é tentando compreender ou deduzir qual será a causa e efeito se nós incorporarmos esses comportamentos como tendência dominante. Surgiram recentemente alguns artigos sobre isso – com as pessoas assumindo uma atitude negativa e sugerindo que esses modelos vão aprofundar a depressão da economia, em vez de estimulá-la. Mas certamente há evidências contra isso. E a questão maior é como medimos o verdadeiro impacto.
É a mesma coisa que vimos com a sustentabilidade e a responsabilidade social das corporações – assim que as grandes marcas começaram a incluir a sustentabilidade em seus relatórios, ela se tornou mais aceita. Se você pensar que 10 ou 20 anos atrás essas coisas nem eram mencionadas, nos trilhamos um longo caminho. E eu acho que o consumo colaborativo tem um caminho semelhante a seguir.
Num futuro ideal, como você vê o papel do consumo colaborativo?
Acho que é a clássica afirmação em que você espera que o consumo colaborativo nem precise ser classificado como algo diferente no futuro, porque simplesmente será o modus operandi. Nós não precisaremos separá-lo como um comportamento único ou específico. Por que a tecnologia tornou-o tão fácil, é simplesmente o modo como interagimos. Vimos muitos exemplos de tecnologia se integrando às nossas vidas. Como a mídia social, o fato de estarmos no Facebook todo o tempo e nos comunicando uns com os outros virtualmente, e contatando uns aos outros, é algo mais instintivo do que consciente. Então, eu adoraria ver o compartilhamento ou o empréstimo de alguma coisa do vizinho se tornar o modo como as pessoas agem, e os shopping centers sendo algo que vem depois, ou se tornarem algo como espaços cívicos atuantes – mais pontos de conexão da comunidade do que paraísos do consumo.
Tradução Teresa Souza
Texto publicado originalmente em Solutions, periódico eletrônico e impresso dedicado a divulgar ideias criativas para a solução de problemas socioeconômicos, ecológicos e ambientais.
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