Presidenta Dilma Rousseff durante encontro com o primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, em 21 de junho de 2012, no Rio de Janeiro. Foto por Roberto Stuckert Filho via Blog do Planalto
Mais além da predisposição dos governantes do Mercosul, a proposta da China de transitar para um acordo de livre comércio carece de possibilidades, ao menos no curto prazo.
Especialistas e industriais temem a invasão de produtos asiáticos e que a competição seja muito desigual. Embora as fontes ouvidas pela IPS concordem com as perspectivas de um forte aumento do comércio e dos investimentos entre o Mercosul e a China, a possibilidade de um acordo de livre comércio parece pouco realista no atual cenário.
O projeto de associação foi transmitido pelo primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, aos governos do bloco em Buenos Aires, quando em 25 de junho visitou a presidente argentina, Cristina Fernández. Por videoconferência, ambos somaram às deliberações a presidente Dilma Rousseff, e seu colega do Uruguai, José Mujica. Os quatro governantes celebraram a ideia de ampliar a aproximação comercial entre as partes.
A crise institucional, que surgiu em 22 de junho no Paraguai, com a fulminante destituição do presidente Fernando Lugo, impediu a participação deste país, o quarto membro fundador do bloco. De todo modo, Assunção enfrenta a encruzilhada de continuar mantendo relações diplomáticas com Taiwan ou aceitar a exigência de acabar com elas para poder negociar com Pequim. Já a Venezuela ainda não tinha sido aceita com quinto membro pleno, o que ocorreu em 31 de julho, em Brasília.
Na última cúpula ordinária semestral do Mercosul, realizada na província argentina de Mendoza, quatro dias após a visita de Jiabao, os governos de Argentina, Brasil e Uruguai se comprometeram a aumentar a cooperação com a China. Também aprovaram uma proposta para enviar uma missão comercial conjunta este ano à cidade chinesa de Xangai, principal centro financeiro e comercial desse país. Contudo, não foram longe na oferta de livre comércio do gigante asiático que, se for acertado, será um processo longo e complexo.
Para o brasileiro Mauricio Mesquita Moreira, especialista em comércio internacional do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), não há condições para implantar este tipo de acordo no futuro próximo. “Por um lado, Argentina e Brasil têm uma indústria muito vulnerável à competição asiática, e na economia chinesa o peso do Estado ainda é muito forte na promoção industrial” para aceitar a liberalização, explicou à IPS. “Os sócios menores, como Uruguai e Paraguai, carecem de estrutura industrial e poderiam se beneficiar de um acordo com a China, mas estar no Mercosul também lhes dá benefícios, como o acesso privilegiado a mercados maiores” do próprio bloco, detalhou.
Moreira esteve este mês em Buenos Aires para apresentar uma pesquisa, que fez para o BID junto com especialistas do Instituto do Banco Asiático de Desenvolvimento, na qual é analisado o futuro da vinculação entre Ásia e América Latina. O estudo recomenda um aumento no volume do comércio e dos investimentos entre os dois mundos. Tampouco o economista Guillermo Rozenwurcel, diretor do Centro de Pesquisas sobre Desenvolvimento Econômico da América do Sul (Ideas), vê “pouca viabilidade para a proposta chinesa nos próximos dez ou 15 anos”.
Rozenwurcel afirmou à IPS que “os presidentes deram uma resposta diplomática aos interlocutores chineses para mostrar que escutaram a proposta, mas, enquanto o campo de jogo não se nivelar, o debate sobre um acordo de livre comércio tem pouco espaço”, e que também não há “margem política” para isso. Por outro lado, acrescentou, “há um horizonte desafiante e complexo, mas possível”, para incrementar o comércio, os investimentos e a cooperação científica e tecnológica entre a América Latina e a Ásia.
Segundo o estudo do BID e do Instituto do Banco Asiático de Desenvolvimento, o comércio entre América Latina e Ásia aumentou, em média, 20,5% ao ano desde 2000, e atualmente está em US$ 442 bilhões. Com esse crescimento tão acentuado na última década, a China, principal vendedor do lado asiático, avançou na América Latina até colocar-se como segundo sócio comercial da região depois dos Estados Unidos. Porém, o padrão desse intercâmbio está bastante definido, dizem os especialistas. A grande maioria das vendas latino-americanas para a Ásia é de matérias-primas e grande parte do comércio asiático para esta região é de bens industriais.
A consultoria argentina Abeceb informou que o comércio entre Mercosul e China passou de US$ 10,342 bilhões em 2003 para US$ 77,882 bilhões em 2011, e a perspectiva é que chegue a US$ 200 bilhões em 2016. No entanto, a Abeceb também alerta que nesse mesmo período as compras argentinas de itens industriais brasileiros, como têxteis, bens de capital, plásticos ou produtos farmacêuticos foram deslocadas pela competição chinesa.
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Um exemplo é o dos produtos têxteis: 56% das importações argentinas chegavam do Brasil em 2003, e atualmente essa participação caiu para 22,6%. Já as compras argentinas de produtos chineses no mesmo setor passaram de 2% para 34,1%. Quanto aos calçados, a importação procedente do Brasil caiu de 79,2% para 37,5% entre 2003 e 2011, enquanto o acesso chinês ao mercado argentino esse mesmo período nessa área cresceu de 12,6% para 36%.
O presidente da Câmara Argentina da Indústria de Brinquedos, Miguel Faraoni, entende que um acordo de livre comércio entre Mercosul e China “seria muito contraproducente”, e ressaltou que “a competição é impossível pela disparidade nas políticas de cada um. A China produz entre 75% e 80% dos brinquedos que são vendidos no mundo, por isso seria uma luta desigual”.
Faraoni explicou que a participação da indústria nacional de brinquedos no mercado doméstico passou de 10$ em 2002 para 50% atualmente, e que há mais empresas estrangeiras radicadas na Argentina para produzir localmente. “Cresceu a produção, o emprego, o investimento em máquinas e novas tecnologias e estamos exportando 8% do produzido para a região e o mercado latino dos Estados Unidos”, ressaltou. Para Faroni, a indústria argentina pode competir em preço e qualidade com a do Brasil, “que tem as mesmas regras de jogo, mas seria um retrocesso nos avanços dos últimos anos abrir o mercado para a China”, enfatizou. Envolverde / IPS
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