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Imigrantes liberados do centro de detenção de Amygdaleza reencontram amigos e familiares em Atenas, na primeira semana de março
Naim sai do ônibus e olha para os dois lados, desconcertado. Um enxame de jornalistas se aproxima à procura de alguém que fale grego. Naim, um paquistanês de 36 anos, cumprimenta alguns compatriotas que foram ao seu encontro, porém ele caminha sozinho. “Não tenho para onde ir, perdi tudo”, garante enquanto perambula pela praça Omonia. “Faz oito anos que estou na Grécia e passei os últimos sete meses trancado. Agora tenho de começar tudo do zero”.
Ele é um das centenas de imigrantes que estão sendo liberados dos centros de detenção gregos que o novo governo prometeu eliminar para abrir caminho para um modelo menos repressivo. No fim de fevereiro o governo do Syriza declarou o fim de um pesadelo para os 500 mil imigrantes em situação irregular no território grego ao anunciar o fechamento progressivo destes centros e a liberdade de 4.000 presos, segundo números oficiais – entre eles 216 menores de idade desacompanhados.
“Foi um inferno. Éramos 20 pessoas dormindo em um container”, relatam Mahdi e Amin, de 22 e 24 anos, após sair do centro de Amygdaleza depois de 14 meses de detenção. Quando saíram, não tinham nem celular. A polícia confiscou os aparelhos na entrada e nunca mais eles conseguiram recuperá-los. Eles não pensavam em ficar muito tempo em Atenas. “Vamos para Patras em breve”, explica Mahdi. No porto da cidade, alguns imigrantes escondem-se em galpões abandonados à espera de uma oportunidade de carona em algum veículo que siga para a Itália.
A decisão de libertar os presos foi antecipada após o suicídio de um jovem paquistanês de 28 anos em Amygdaleza, o “Guantánamo grego”. Em agosto de 2013, os 1.650 detidos nesse centro – com capacidade para 400 pessoas – tiveram de suportar temperaturas de 50 graus centígrados fechados em containers.
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O centro de Amygdaleza não conta com aquecimento nem cobre as necessidades básicas dos detidos. Segundo a ONG Médicos do Mundo, devido à falta de pagamento do Estado aos fornecedores os detidos receberam apenas arroz e batatas para comer nos últimos dois meses. Os imigrantes tampouco tiveram assistência médica, pelo mesmo motivo. “Não tínhamos nem pasta de dente”, assegura Mahdi, que revela seus dentes negros nas poucas vezes que sorri.
O vice-ministro de Proteção ao Cidadão, Yanis Panousis, deu ordens para fechar o centro após uma visita na qual reconheceu “sentir vergonha” pelas condições nas quais viviam os detentos. Nas últimas semanas, as autoridades gregas têm liberado cerca de 30 imigrantes detidos por dia. As pessoas que estão sendo liberadas são as que não têm uma ordem de expulsão ou delitos pendentes.
Naim carrega toda sua vida em uma sacola de plástico e uma pasta verde. “Na sacola eu levo meus pertences, e na pasta os papéis para poder permanecer no país por mais três meses”, afirma Naim. “Isto é tudo o que me resta”, diz ao sair de Amygdaleza. O governo concede aos recém-liberados vistos de um a três meses para permanecer na Grécia, tempo suficiente para procurar outro destino. Algumas ONGs consideram que essa medida não protege os imigrantes, apenas servindo como uma “segunda oportunidade” para fugir para outro país.
Até agora a Grécia prendia sem distinção todas as pessoas em situação irregular, diferentemente de outros países da Europa, como a Espanha, onde são presos em Centros de Detenção de Estrangeiros os que têm uma ordem de deportação – embora algumas vezes essa regra não possa ser aplicada por não existir convênio com os países de origem, então os imigrantes são detidos sem que de fato se cumpra sua finalidade.
Muitos dos imigrantes foram detidos nas ilhas gregas próximas à Turquia, onde chegavam por mar em pequenas embarcações, e foram trasladados diretamente para os centros de detenção sem opção de pedir asilo. Sem liberdade de ir e vir, podiam permanecer nos centros durante um período de no máximo 18 meses, segundo a legislação grega. No entanto esses prazos costumam ser estendidos, segundo denunciam alguns dos detidos e a ONG.
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Agência Efe
Imigrantes são liberados do centro de Amygdaleza no início de março
O objetivo do atual governo grego consiste em converter os centros de detenção em campos abertos e semiabertos, como anunciou a vice-ministra de Migração, Tasia Christodoulopoulou, em entrevista à imprensa grega.
Os campos abertos permitirão a entrada e a saída das pessoas detidas durante o dia, um modelo aplicado em países como a Bulgária, e contribuirá para que os imigrantes possam tramitar normalmente sua documentação. A concepção desses locais também se assemelha aos Centros de Estância Temporal de Imigrantes existentes em algumas cidades da Espanha, onde os detidos têm liberdade de ir e vir.
Trésor, congolês de 34 anos, foi detido no portão de um centro da Cáritas grega, onde esperava receber um prato de comida, e ficou 19 meses em Corinthos, um centro fora da capital. “Pelo menos uma vez por semana havia uma tentativa de suicídio. Daí todos éramos punidos. Recebíamos menos comida e nos deixavam sair por menos tempo para o pátio, ou também apanhávamos”, relata Trésor, que foi liberado há quatro meses graças à ação de um grupo de voluntários que lhe auxiliaram com o pedido de asilo.
Gholamreza, um jovem afegão, denuncia a falta de assistência médica em Corinthos. “Ainda não vi nenhum médico e alguns dos meus amigos estão com feridas”, conta através do Facebook. Ele dorme em um local de 12 metros quadrados com mais cinco pessoas, algumas no chão por falta de camas, acrescenta. Foi detido há dois meses em uma fábrica abandonada de Patras.
O Ministério de Migração pediu ao escritório local da ONG Médicos do Mundo que avaliasse o estado de saúde dos detentos. Uma equipe de médicos visitou Amygdaleza em meados de fevereiro e encontrou um cenário desolador. “A maioria dos detidos sofre com problemas digestivos, dermatológicos e respiratórios, devido às condições insalubres em que vivem”, diz a chefe das missões da ONG, Garifallia Anastasopoulou.
Os governos gregos anteriores se basearam na detenção administrativa da política migratória. A abertura de Amygdaleza, por exemplo, foi uma reivindicação eleitoral dos conservadores da Nova Democracia em 2012, que nas últimas eleições voltaram a usá-la em um discurso anti-imigração para ganhar votos. O governo de coalizão liderado por Antonis Samaras destinou 10,5 milhões de euros em 2014 para manter o centro de detenção Amygdaleza e investiu 28 milhões na prisão de 5.000 pessoas em todo o país.
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A política migratória seguiu diretrizes comunitárias com a finalidade de proteger as fronteiras da União Europeia. Entre 2008 e 2013, seja através da Comissão Europeia – 386 milhões de euros – ou por meio de fundos privados, os países europeus financiaram três quartos dos custos das medidas anti-imigração na Grécia. Entre os fundos europeus, 130 milhões foram destinados ao retorno (Frontex, centros de detenção e polícia) e 56 milhões foram voltados para programas de acolhimento (campos de refugiados e direitos de exilados).
Em 2014, a Grécia concedeu status de refugiado para 14% do total de pedidos, um aumento notável se comparado com 1% do ano anterior. No entanto, continua sem garantir os direitos estabelecidos pela lei europeia aos refugiados: alimentação, alojamento, acesso à saúde pública e curso de idiomas.
Essa situação está longe de ser solucionada, segundo indica Muhamadi Yonous, presidente do Fórum Grego de Refugiados. “Os detidos que saem de Amygdaleza continuam sem nada. Muitos se esconderão em casas abandonadas junto com seus compatriotas. Eles continuam sem alguns direitos básicos.”
No fim de fevereiro, o vice-ministro Panousis reuniu-se com representantes de diferentes comunidades de estrangeiros para discutir as preocupações desse coletivo. “É um grande passo. Agora podemos bater na porta das instituições”, indica Yonous, que esteve presente no encontro.
Uma das principais necessidades, de acordo com algumas ONGs, é a criação de centros de recepção, onde os imigrantes possam receber assistência legal. Isso facilitaria a tramitação dos pedidos de asilo e ofereceria garantias legais e uma proteção maior a quem faz a petição.
“Grécia? Não vim para a Europa para ficar aqui”, afirma Amin, um dos jovens afegãos que saiu de Amygdaleza depois de um ano e dois meses. “Isto aqui não é a Europa.” Para muitos deles, o sonho europeu de conseguir uma vida digna foi interrompido há tempos no território grego, onde ficaram presos e não pensam conseguir um futuro melhor.
Tradução: Mari-Jô Zilveti
Matéria original publicada no site do jornal espanhol El Diario.