No Fórum sobre a Justiça Frente aos Crimes do Estado, organizado na Cidade do México pelo centro de direitos humanos Miguel Agustín Pro, a juíza guatemalteca Yassmín Barrios encontrou Opera Mundi para uma entrevista sobre seu trabalho e a sentença que emitiu no dia 10 de maio de 2013 contra o ex-ditador da Guatemala Efraín Ríos Montt.
Nessa data, o Tribunal Superior [Tribunal de “Maior Risco”], dirigido pela juíza Yassmín Barrios, condenou-o a 80 anos de prisão por genocídio e delitos de lesa-humanidade, considerando-o responsável pela morte de 1771 índios maias-ixiles pelas mãos de militares, entre 1982 e 1983, período mais violento da guerra civil neste país da América Central.
Poucos dias depois dessa sentença histórica, uma resolução da Corte de Constitucionalidade da Guatemala anulou a sentença. Por três votos a favor e dois contra, a Corte resolveu admitir os recursos apresentados pela defesa frente à negativa do tribunal em tramitar a impugnação de sua presidenta, anulando todos os processos judiciais desde 19 de abril. Os juízes contrários à resolução afirmam que o Judiciário “se excedeu ao anular os processos”. Por sua vez, o relator do processo defende a decisão, já que “todo processo deve respeitar o direito de defesa e, neste caso, que seja tramitado por juízes imparciais”.
A condenação do ex-ditador Ríos Montt, apesar de ter sido anulada, segue sendo uma sentença histórica.
Opera Mundi: Quais foram as consequências políticas e sociais da condenação de Ríos Montt na Guatemala? Qual foi a relevância dessa sentença?
Yassmín Barrios: Basicamente, demonstrou-se à sociedade civil guatemalteca que o organismo judicial é capaz de ditar sentenças em julgamentos desta natureza e que o sistema de justiça do país se fortaleceu.
OM: Normalmente, é mais comum ver este tipo de sentença expedida por instituições como o Tribunal de Haia. Como a sociedade guatemalteca obteve esse resultado e como você conseguiu que isso acontecesse?
YB: Promovendo o debate. Aplicando as garantias constitucionais, respeitando o devido processo e dando acesso às vítimas, que passaram a testemunhar e puderam esclarecer os acontecimentos correspondentes.
OM: Quais foram as maiores dificuldades desse processo?
YB: O ataque sistemático dos advogados de defesa [de Ríos Montt] contra o tribunal e a utilização dos meios de comunicação contra o tribunal.
Agência Efe
O ex-ditador Ríos Montt, condenado pela juíza Yassmín Barrios a 80 anos de prisão; sentença foi anulada posteriormente
OM: E como foi possível superar essas dificuldades?
YB: Na caminhada diária, realizando o trabalho como deve ser feito. Com responsabilidade e respeito com os outros.
OM: Sabemos que, depois da sentença, foi expedida a anulação por parte da Corte de Constitucionalidade da Guatemala. Qual foi a consequência dessa anulação?
YB: A corte de Constitucionalidade da Guatemala decidiu pela anulação da sentença, e nós, como tribunal inferior, acatamos a resolução, a respeitamos, mas não concordamos com ela.
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OM: O que vai acontecer agora? Quais são as consequências práticas?
YB: Realmente acredito que esta resposta quem deveria dar a vocês são os sujeitos processuais que participaram diretamente do processo: o Ministério Público, os demandantes adesivos, porque são eles os atores fundamentais dentro do processo. Nós, como juízes, ditamos a sentença e já não podemos voltar a participar do caso.
OM: Mas, ainda assim, este julgamento tem uma relevância que vai além da anulação da Corte de Constitucionalidade. O peso político e social que teve a condenação de Ríos Montt vai além dessa anulação?
YB: O sistema de justiça no país se fortaleceu e foi demonstrado que tanto o Ministério Público quando o sistema judiciário têm a faculdade e a capacidade necessárias para enfrentar esse tipo de julgamento.
OM: Então pode ser que isso sirva para fortalecer a justiça da Guatemala em próximos julgamentos?
YB: Creio que seja um precedente, não apenas para a Guatemala, senão para a América Latina e para o mundo inteiro.
OM: A senhora vê algum paralelo possível com o que aconteceu nesses anos no México e uma aplicação judicial do mesmo tipo contra os crimes de Estado mexicanos?
YB: Acredito que o que aconteceu na Guatemala é um precedente positivo para o povo mexicano e acredito que se aprende através das experiências que temos na América Latina. Então, é jurisprudência em se tratando do sistema americano de justiça.
OM: Pode-se dizer que existe possibilidade de compenetração, pelo menos em termos de precedentes, no contexto desse tema na América Latina?
YB: É necessário levar em conta que, atualmente, a Corte Interamericana de Direitos Humanos ditou resoluções que fazem parte dessa jurisprudência, que todos os juízes latino-americanos têm como ferramenta. Então também faz parte desse sistema difuso e convencional que pode ser aplicado por qualquer país que faça parte do sistema. Isso significa que o México também pode aplicar essa jurisprudência.
OM: Qual o papel da opinião pública para que se alcance esse tipo de sentença?
YB: Como em todos os casos, existem duas partes. Sempre, em qualquer processo, independentemente da sua natureza, existem duas partes, quem acusa e quem defende, então, dependendo do resultado que se alcance, é essa a opinião que pode gerar. Os que conseguiram seu objetivo veem a sentença como positiva, e os que não conseguiram são detratores.
OM: A senhora está otimista em relação ao que vai acontecer na Guatemala e no México e na América Latina em geral?
YB: Sim. Acredito que os sistemas de justiça estão sendo depurados, estão crescendo, estão se fortalecendo e que novas expectativas estão surgindo, novas formas de resolução dos conflitos. Acredito também que nós juízes, atualmente, somos líderes dentro da comunidade onde vivemos e que somos chamados a atuar dentro desse fortalecimento do sistema de justiça e dar respostas aos problemas que os cidadãos nos trazem.
OM: A democratização dos países da América Latina acontece também por meio desse tipo de sentença? E como é possível evitar que genocídios como o da Guatemala continuem acontecendo?
YB: A justiça transitória é parte do presente que estamos vivendo e é parte da responsabilidade da nossa geração: julgar os acontecimentos do passado. E, definitivamente, quando os debates são realizados de forma justa, respeitando-se o devido processo, respeitando-se as garantias constitucionais do acusado e tomando uma decisão em relação ao fato concreto, o estado de direito é fortalecido e, ao fortalecer o estado de direito, contribui-se para a democracia de um país.
OM: Aqui no México se dá muita atenção para esse tipo de caso porque há quem queira julgar o ex-presidente Felipe Calderón por genocídio, e uma sentença como a que a senhora deu poderia representar uma mudança muito importante no México. Por outro lado, chegar a uma sentença significa implicitamente que já não há outras ferramentas políticas para resolver uma questão. A senhora acredita que é através de um julgamento que a violência de Estado do México deve ser resolvida?
YB: Acredito que a justiça é feita para solucionar os conflitos que são produzidos dentro de uma sociedade. Acredito que, neste caso, os mais chamados a efetuar essa análise são os mexicanos, que são os sujeitos dentro dessa situação, então os mexicanos estão convocados a analisar, a verificar, a determinar quais são os fatos que ocorreram previamente, a investigá-los e, em seu momento, determinar a ação a seguir. Creio que é um direito que compete aos cidadãos mexicanos.