Muitas vezes, as empresas caminham na contramão da liberdade de imprensa, e algumas são monopólios que controlam a informação, exercem a censura e buscam provocar reações e manipular a opinião pública para impor seus interesses políticos à sociedade.
Este mecanismo de concentração e contaminação da informação se realiza na Argentina e em escala mundial. Pretende-se confundir a liberdade de imprensa com a liberdade de empresa, mas não são sinônimos. Os monopólios geram reações sociais como penalizar a pobreza e os protestos sociais, apontar os jovens como responsáveis por todos os males sofridos pela sociedade e desencadear campanhas para reclamar mais “segurança” contra os “garotos da rua” e das favelas que, por ser pobres e de pele escura, são apontados como delinquentes. Pede-se a diminuição da idade de responsabilidade penal.
Esses meios informativos destilam violência por meio de seus programas e desinformam em vez de informar, mas não perguntam a nenhum desses garotos, que vivem na rua e são violentados e marginalizados na sociedade, “qual é sua segurança”. Esses jovens não são considerados pessoas e se tornam invisíveis quando convém a esses meios perversos.
A nova Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual causa agitação e preocupação, principalmente aos que não querem mudança nenhuma e pretendem continuar com a lei vigente imposta durante a ditadura militar.
Vemos que vários dirigentes se escandalizam quando o Poder Executivo apresenta uma nova lei. Seria o caso de lhes perguntar o que fizeram durante esses anos em que não quiseram escutar as reivindicações em defesa da liberdade de imprensa, desviaram o olhar e engavetaram projetos.
Todos os governos que se sucederam de 1983 até hoje careceram de vontade política para solucionar e democratizar os meios de comunicação. Pelo contrário, Menem promoveu políticas de entrega do patrimônio do povo, dos recursos do país aos grandes capitais estrangeiros, permitindo o monopólio dos meios de comunicação e a concentração do poder em poucas mãos. O mesmo podemos dizer dos dirigentes radicais e da Aliança.
Durante muito anos, emissoras comunitárias como a Farco e outros meios independentes trabalharam pela sanção da nova lei de radiodifusão, a fim de alcançar a liberdade de imprensa. A nova lei promoverá a regulação de meios comunitários excluídos durante décadas e contemplará a derrubada dos monopólios. Qualquer lei que for sancionada e não puser fim aos monopólios existentes acabará sendo mais do mesmo, e uma nova frustração para o povo.
A Autoridade de Aplicação que regulará os Serviços de Comunicação Audiovisual, segundo a proposta do governo, é um órgão colegiado do Estado. É parcial e pode servir para a manipulação e o controle dos meios. O organismo deve ser integrado por representantes da sociedade, pois isso criaria credibilidade e evitaria a pressão dos lobbies e a manipulação. É fundamental que seja um ente autárquico e pluralista em sua integração, com mandatos renováveis.
A lei tem muitos aspectos positivos, mas é necessário debatê-la e melhorá-la com propostas eficientes, que realmente possam concretizar a liberdade de imprensa como fundamento dos direitos humanos, a liberdade de informar e ser informado acima dos interesses predominantes dos monopólios e oligopólios.
Há quem defenda, na oposição, que a lei deve ser sancionada depois de 10 de dezembro, o que levaria ao atraso e à permanência da lei da ditadura. A justificativa é que “tudo se faz com pressa e é preciso esperar que os legisladores eleitos assumam”. Pergunto-me: os atuais legisladores, que têm mandato até 10 de dezembro, devem deixar de atuar em suas funções e sair de férias? O país terá de esperar mais 25 anos para sancionar uma nova lei de meios de comunicação audiovisuais? As empresas que controlam os meios seguirão pressionando para continuar usufruindo de seus interesses e dificultando a situação, a fim de impedir que se sancione a nova lei.
O debate está aberto e é importante pôr fim à contaminação mental e visual dos meios, à pobreza e à falta de nível impostas pela dominação cultural. A lei deve contemplar os povos originários para que possam difundir seus valores culturais e sua identidade. Sempre que se propõem leis, os povos originários não são levados em conta.
É lamentável que os meios audiovisuais em mãos dos poderosos imponham 97% dos programas. São estrangeiros, de péssima qualidade, incentivam a violência ignorando os pensadores, artistas e valores de nosso país e do continente latino-americano. Basta lembrar a falta de programas de música, teatro, cinema; o desconhecimento e o desinteresse, como bem observou Tito Cossa [dramaturgo argentino], dos que mandam, dos que vêem o país com olhar de subjugados e dominados.
Em 2010, a Argentina completará 200 anos e é preciso pensar se somos um país livre e soberano, com pensamento próprio, ou se depois deste tempo continuaremos subjugados e dominados, como colônia das empresas transnacionais. Será difícil saber se vamos celebrar ou chorar. Creio que é importante refletir e saber onde estamos. Compreender o velho provérbio que diz: “Se não sabes aonde vai, volta para saber de onde vens”.
A nova Lei de Serviços e Meios Audiovisuais deve abrir espaços para liberdade de expressão e valores que nos permitam construir um novo amanhecer da Pátria. Uma palavra, um bem e um pensamento esquecido, que devemos recuperar. A dominação não começa pelo econômico, começa pelo cultural.
Adolfo Pérez Esquivel é ativista de direitos humanos e ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1980.
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