Um olhar fugaz indicava que a eleição na Banda Oriental só deveria revelar a incógnita se haveria ou não segundo turno. No entanto, de uma perspectiva mais histórica, o voto da sociedade uruguaia deu várias respostas a mais.
A primeira, que a eleição de Tabaré Vázquez em 2004 não havia sido simplesmente o resultado nem de uma onda regional da América Latina, nem da rejeição histórica de seus compatriotas a um dos governos mais anódinos dos partidos tradicionais: a vitória de Pepe Mujica vem mostrar que a Frente Ampla definitivamente já não é mais a terceira força da política uruguaia, mas sim o partido predominante, uma força natural de governo que não pode ser derrotada senão por uma coalizão que una toda a oposição.
A segunda, que depois de um governo que pôs em prática boa parte da plataforma com a qual foi eleito e cujo presidente é louvado por dois terços da opinião pública, não surgiram as condições para a emergência de um “antifrenteamplismo”. Apesar do uso e do abuso do macartismo (anticomunista e antitupamaro) por parte de Luis Lacalle, os opositores da Frente Ampla não a rejeitam tão intensamente de forma a eleger qualquer alternativa. Pelo contrário: a surpreendente votação do Partido Colorado condenou as chances de “Cuqui” (como Lacalle é chamado pelos adversários), que conseguiu a proeza de fazer com que os blancos obtivessem resultados piores do que na sua derrota anterior. Isto é: o eleitorado oposicionista optou por manifestar com o voto a sua afinidade política, em vez de votar para se livrar de um governo que não lhe parece tão antipático nem inaceitável assim.
Uma terceira resposta é que a unidade das esquerdas é capaz de superar desengajamentos sem sequer sair arranhada. A Frente Ampla conseguiu recuperar o Partido Democrata Cristão, que havia perdido no começo da ditadura. Conseguiu consolidar seu crescimento em 1989, apesar da dramática ruptura liderada pelo senador Hugo Batalla, e nem sequer estremeceu no ano passado, ao perder os setores que votaram neste domingo na Assembleia Popular junto a algo em torno de cinco em cada mil habitantes.
Mobilização
Poderíamos acrescentar também que a intensidade do apoio dos frenteamplistas aos seus candidatos não foi afetada pela distância entre a velha retórica revolucionária e o reformismo metódico que é a marca distintiva do governo de Tabaré. Talvez, seja preciso atribuir isso à eleição de um candidato como Mujica, que (sem cair em toda a campanha em excessos retóricos que o levariam a prometer demais) evoca essa mística da transformação estrutural da sociedade, mesmo que se cuide de atiçá-la.
Um indicador da intensidade dessa adesão (que se soma ao fato de a Frente Ampla parecer não ter perdido um voto sequer) é a renovada mobilização dos residentes no exterior para exercer seu direito. Nesse caso, sem contar com os apoios logísticos que lhes foram fornecidos em 2004 e apesar dos obstáculos que lhes foram postos (aos orientais, mais do que a qualquer contaminação ambiental) na ponte Puerto Unzué-Fray Bentos, entre o Uruguai e a Argentina.
A Frente Ampla, alheia como é a qualquer pretensão de dar lições e além de qualquer tentativa de cópia, demonstrou o potencial que a unidade das esquerdas possui quando é capaz de dar um marco institucional estável ao processamento de suas diferenças e à viabilidade de impulsionar uma agenda consistente de reformas em um vetor de vanguarda, quando essa agenda é decidida, discutida e partilhada na interação de um governo democrático e sua base de sustentação.
*Gabriel Puricelli é co-coordenador do Programa de Política Internacional e do Laboratório de Políticas Públicas (Buenos Aires/Rio de Janeiro). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
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