Atualizada às 21h05
Os 98% que disseram “sim” à nova Constituição do Egito, no referendo encerrado na última quarta-feira (15/01), conferem “legitimidade jurídica” ao governo exercido, na prática, pelos militares egípcios. Essa é a opinião do ex-embaixador brasileiro Luiz Augusto de Castro Neves, que também acredita que o resultado da votação dá instrumentos constitucionais para que o Exército continue a ditar os rumos do país.
“Favas contadas, os militares sempre mandaram no Egito. A vitória era inevitável”, afirmou em entrevista a Opera Mundi o ex-diplomata e atual presidente do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).
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Agência Efe/15.jan.14
Cédula oficial do referendo que aprovou, com 98%, a nova Constituição do Egito
Na nova Carta Magna aprovada, há uma série de artigos controversos que fortalecem o poder do Exército na cena política egípcia. Após o referendo, são os militares que têm a palavra final na escolha do ministro da Defesa; civis poderão, em certos casos, serem julgados em cortes militares; e a falta de transparência nos gastos do Exército permanecerá intacta na gestão do orçamento do país.
“Não sei se é o quarto poder, até porque os outros três não existem no Egito”, disse Castro Neves, quando perguntado sobre a força institucional do Exército na nova Constituição.
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O texto aprovado contém cláusulas prevendo que o presidente do país indique 5% dos membros do Legislativo. Além disso, em casos de crise institucional, poderá ser convocada uma consulta popular para dissolver o Parlamento do país.
Quem mais colhe os frutos do referendo constitucional é o general Abdel Fatah al-Sisi — chefe do Exército, liderança central na deposição do presidente democraticamente eleito, Mohamed Mursi, e principal figura do governo interino que dirige o país, ainda que este seja presidido oficialmente por Adly Mansour. Passo seguinte à aprovação do texto constitucional, a convocação de eleições gerais, ao que tudo indica, deverá mesmo ter nas cédulas eleitorais o nome de al-Sisi. “Não vejo outro candidato”, assinala o ex-embaixador brasileiro. O próprio general já deu indicações claras de que está inclinado a concorrer ao pleito.
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Constituição e religião
De acordo com Luiz Augusto de Castro Neves, o novo texto constitucional “marginaliza indiretamente” alguns dos inimigos do Exército da cena política do país. “Ao proibir partidos políticos de base religiosa, estão excluindo a Irmandade Muçulmana [partido que elegeu Mursi]”, afirma o diplomata de carreira, que já serviu como embaixador no Paraguai, China e Japão. A campanha para o “não” foi praticamente impedida de ser realizada pelas forças de segurança do Egito. Além disso, centenas de membros da Irmandade Muçulmana — classificada como “grupo terrorista” em dezembro — foram detidos ao protestar contra a Constituição, chamando seus simpatizantes a boicotar o pleito.
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Divulgação/CEBRI
“Não vejo outro candidato”, diz o ex-embaixador Luiz Augusto Castro Neves sobre a eventual candidatura de al-Sisi
Como aspecto positivo da Constituição, Castro Neves considera curioso que o texto assegure o Egito como Estado laico, sem influência religiosa — formalmente, pelo menos — na produção de leis. “Geralmente, os governos que adotam religião oficial ou são meramente simbólicos (como Argentina e Paraguai) ou são não-democráticos”, comenta.
Outro ponto alto da nova Carta fixa garantias constitucionais aos direitos civis e sociais, especialmente quanto a educação, liberdades e direitos das mulheres. Castro Neves, contudo, tem reservas sobre a sua implantação de fato.
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“É preciso esperar para ver o grau de mobilização da sociedade ao pressionar para conseguir colocar tudo isso em prática: uma sociedade laica, tolerante, onde homens e mulheres têm os mesmos direitos. Nós vemos grandes democracias, como é o caso da Índia, em que ainda existem problemas sérios”, comenta o ex-embaixador Luiz Augusto de Castro Neves.