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Uma resolução internacional para a internet solucionaria o problema da espionagem em massa?
SIM
Em dezembro do ano passado o mundo deu um passo importante ao aprovar na Assembléia Geral da ONU uma resolução intitulada “O direito à privacidade na era digital.” Proposto pelo Brasil, em parceria com a Alemanha e aprovado por consenso, o texto ressalta que, enquanto preocupações sobre segurança pública podem justificar a coleta e proteção de informações sensíveis, governos devem assegurar o cumprimento de suas obrigações de proteção aos direitos humanos fundamentais.
O documento também requer que os Estados-membros estabeleçam mecanismos independentes de fiscalização dessas práticas, capazes de assegurar a transparência. Além disso, solicita também que a alta comissária da ONU (Organização das Nações Unidas) para Direitos Humanos, Navi Pillay, faça um relatório sobre a proteção da privacidade no contexto de vigilância massiva, a ser analisado na próxima Assembléia Geral.
Agência Efe
Edward Snowden: é importante garantir a proteção de “whistleblowers”, pois eles promovem a transparência na sociedade
Apesar de um passo significativo, é apenas mais um em uma longa caminhada de alterações nas políticas para a rede. Como todo tipo de resolução na esfera da espionagem, o texto ainda é genérico e não tem efeito vinculante. Apesar de ter um grande impacto político ao expressar algum consenso internacional entre todos os Estados-membros da ONU, precisa também ensejar mudanças substanciais nas respectivas legislações nacionais.
Neste sentido, trazendo propostas de alteração mais específicas, uma rede de mais de 330 organizações da sociedade civil de todo o mundo lançou uma campanha de apoio a 13 princípios que visam garantir que qualquer prática de vigilância seja feita apenas quando necessário e de forma proporcional, portanto, nunca massiva.
Esses princípios estão sendo estudados pelo governo da Suécia para serem implementados na legislação do país. No entanto, ainda é necessário que a sociedade exerça pressão para que governos de todo o mundo considerem mudanças desse tipo. Como uma forma de pressão, no dia 11 de fevereiro, está sendo organizada a campanha internacional entitulada: “Day we fight back.”
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Há de se destacar que todas estas iniciativas tratam apenas das práticas de governos, mas, como bem destacou a Free Software Foundation na campanha “Reform Corporate Surveillance”, são necessárias mudanças nas práticas das empresas de TI, que tem seus modelos de negócios baseados em armazenar dados dos usuários para muito além do necessário.
Outro tema importante é a proteção de “whistleblowers” (“delatores”, em tradução livre para o português), pois, Snowden continua preso, Chelsea Manning continua exilada. A proteção a eles é fundamental como promoção da transparência e informação a respeito de violações dos direitos humanos – como o direito à privacidade – por parte dos Estados.
É importante ressaltar que a comunidade técnica também reconheceu a importância de se envolver na discussão política. Esse viés ficou evidente com a Declaração de Montevideo sobre o Futuro da Cooperação na Internet, firmada em parceria por atores como a Internet Engineering Task Force (IETF), o World Wide Web Consortium (W3C) e a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN), que reconhece a necessidade de um “esforço contínuo para lidar com os desafios de governança da internet.”
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Cabe ressaltar que o Brasil está organizando um importante evento diplomático, sediado em São Paulo nos dias 23 e 24 abril. O objetivo do encontro é discutir princípios universais para a governança na internet e um guia de próximos passos para a construção de uma arquitetura institucional internacional capaz de garantir que esses princípios sejam protegidos.
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Esses são apenas alguns passos necessários se tomarmos em conta apenas na dimensão política do problema. Mas a dimensão política não é a única: a dimensão técnica também é importante.
Em dezembro tive a oportunidade de participar do Chaos Communication Congress, um dos maiores eventos hackers da Europa, e por lá não só ficou evidente que aquela comunidade também está antenada nas pressões políticas, mas que também existe a necessidade de melhorarmos as ferramentas que utilizamos e de incentivarmos novas práticas entre os usuários da rede, rumo a adoção de ferramentas que visam garantir a privacidade, como o uso de OTR para chats, de GPG para encriptar emails, a configuração ou uso de navegadores que não guardem registros de navegação, etc.
Reprodução/ Observatório da internet
Joana Varon, Pesquisadora e Gestora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio de Janeiro
Portanto, entendo que não há uma solução única para o problema da espionagem em massa. Não há uma receita: as dimensões políticas, técnicas e de usos sociais devem ser constantemente debatidas, e informações sobre o processo das mudanças em cada esfera precisam ser compartilhadas.
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No intuito de fomentar essa discussão, criei em parceria com o Lucas Teixeira, programador e estudioso de ferramentas “privacy friendly”, a plataforma do Oficina Antivigilância. Nela editamos um boletim quinzenal que trata tanto do uso de ferramentas e tecnologias que visam proteger usuários da rede, como dos debates no contexto político internacional, envolvendo reações governamentais, do setor privado, da comunidade técnica e sociedade civil às revelações de vigilância em massa. O Boletim é também uma wiki, bastante aberto para contribuições e debate (https://twitter.com/antivigilancia).
(*) Joana Varon Ferraz é pesquisadora e coordenadora de projetos do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas.