A denúncia apresentada contra a presidente Cristina Kirchner pelo fiscal argentino Alberto Nisman, quatro dias antes de morrer, foi recusada por dois juízes, sob a justificativa de irregularidades no processo.
Nesta segunda (02/02), o juiz Ariel Lijo se declarou incompetente para investigar o caso. Diante da situação, a Câmara Federal realizou um sorteio e o juiz selecionado foi Daniel Rafecas, que também o recusou. Desta forma, será o presidente da Câmara, Martín Irurzun, que deverá verificar qual dos dois magistrados será o responsável pela investigação.
Agência Efe
Após o Clarín divulgar um rascunho em que Nisman cogitava pedir a prisão de Cristina, Capitanich rasgou o jornal, ao vivo
A regra diz que cada nova denúncia deve ser apresentada na Câmara para que o juiz faça o sorteio sobre o responsável pelo caso. Nisman, no entanto, apresentou seu material diretamente ao juizado de Lijo, porque ele já estava investigando uma manobra de encobrimento dos responsáveis pelo atentado à Amia, motivo pelo qual foram processados, em 2009 e 2012, o ex-presidente Carlos Menem (1989-1999), o chefe da SIDE (Secretaria de Inteligência de Estado) Hugo Anzorreguy e o juiz Juan José Galeano. Eles esperam julgamento oral.
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Com relação à denúncia apresentada por Nisman, Lijo informou, por meio de um comunicado, que rechaçava a causa porque o fiscal cometeu uma irregularidade, pois deveria ter feito a denúncia diante da Câmera Federal, que é o “procedimento correto para resguardar as garantias constitucionais” e não entregar o caso diretamente a ele.
AMIA:La resolución de Lijo en la que se declara incompetente
De acordo com Lijo, os casos são diferentes e não há requisitos legais para que eles “tramitem em conjunto”. Ele defendeu ainda que os argumentos apresentados por Nisman são “fatos novos”. Além disso, os investigados não coincidem e há uma “enorme diferença temporal entre um delito e outro”. O primeiro ocorreu antes de 2004 e as denúncias do fiscal se referem ao intervalo entre 2011 e 2013, quando já havia sido encerrada a investigação.
O magistrado Daniel Rafecas, especialista em holocausto e com boa relação com a coletividade judia, por sua vez, se declarou “incompetente” para analisar a questão e defendeu que os fatos são diferentes e, embora estejam conectados, por questão de praticidade e celeridade é conveniente começar um novo caso do zero.
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Fontes judiciais manifestaram ao jornal La Nación temor de que dois juízes distintos investigando fatos similares poderia os levar a conclusões contraditórias.
A investigação com relação a Cristina Kirchner não começou porque não houve um requerimento fiscal que dê início formalmente à causa.
Com relação às denúncias, a mandatária disse, em pronunciamento à nação, que o fiscal foi vítima de um erro e tirou suas conclusões com base em documentos falsos.
A denúncia
No dia 14 de janeiro de 2015, Nisman denunciou a existência de um suposto plano levado a cabo pelo governo argentino para encobrir e deixar impune cidadãos iranianos investigados pelo ataque à Amia em 18 de julho de 1994.
De acordo com a denúncia, a mandatária argentina teria emitido uma diretiva com esse objetivo para produzir uma aproximação geopolítica com a República Islâmica do Irã, bem como restabelecer as relações comerciais com o país para resolver a crise energética nacional. Em troca, ela venderia grãos e compraria petróleo.
Tal acordo teria sido realizado pelo chanceler Héctor Timerman e demorado dois anos para ser concluído. Neste período, as autoridades argentinas teriam deixado de lado as reclamações pelo caso Amia e concordado em baixar as notificações vermelhas da Interpol sobre os suspeitos de praticar o atentado que matou 85 pessoas.
Nisman sustentava que o “memorando de entendimento” assinado entre os governos em 2013 teria o objetivo de garantir a impunidade dos iranianos diante dos resultados da “Comissão da Verdade”, uma vez que estes já estariam pactuados previamente.
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Tal comissão daria espaço para uma nova hipótese, falsa, que, baseada em provas inventadas, substituiria as acusações sustentadas pela pesquisa judicial.
Durante seu pronunciamento Cristina também negou tais afirmações. Ela garantiu que o país nunca comprou petróleo do Irã e deu nomes de empresas privadas que comercializam grãos com o Irã, sem intervenção governamental.
Pedido de prisão
A fiscal responsável pela investigação da morte do fiscal, Viviana Fein, confirmou nesta terça-feira (03/02) a informação de que foi encontrado no lixo de Nisman um rascunho de um documento no qual pedia a prisão da mandatária Cristina Kirchner.
O material é datado de junho de 2014 e não figura no processo que foi apresentado pelo fiscal em 14 de janeiro de 2015.
Divulgação/ Clarín
Trecho do documento encontrado na lixeira em que Nisman mencionava pedir a prisão de Cristina Kirchner e altos funcionários do governo
O governo considerou um “despropósito” pensar que o rascunho esteve na lata de lixo da casa do promotor durante dias. “Se querem ser benevolentes, [a denúncia] ocorreu no dia 14 de janeiro e ele apareceu morto no dia 18, quatro dias sem limpar o apartamento? Isso é um despropósito”, disse hoje o secretário-geral da presidência, Aníbal Fernández.
Já o chefe de Gabinete, Jorge Capitanich, afirmou que “ir buscar no lixo eventuais escritos e depois isto não fazer parte da denúncia, não tem cabimento”. Para ele, tal informação faz parte de uma “grosseira operação de imprensa” para “ocultar a estratégia de serviços de inteligência que foram deslocados”.
Entenda o caso
Desde 2004, Alberto Nisman era o promotor responsável por investigar o atentado à sede da Amia. Ele foi encontrado morto, com um tiro na cabeça, dentro do banheiro de seu apartamento no bairro portenho de Puerto Madero, há uma semana. Naquele dia, ele deveria comparecer a uma audiência no Congresso, onde apresentaria as provas de suas acusações. Desde então, se intensificou o debate sobre o papel dos serviços de inteligência na causa Amia e na morte do promotor.