No dia 23 de março de 2014, a OMS (Organização Mundial de Saúde) confirmou a existência da epidemia de ebola na África Ocidental. Dada a intensidade da propagação da doença, o surto estampou noticiários globais e foi elevado a um novo patamar de preocupação global.
Após 365 dias desde a confirmação, a organização MSF (Médicos Sem Fronteiras) denunciou nesta segunda-feira (23/03) o “fracasso global” que impediu de conter até agora o ebola, resultando na morte de pelo menos 10 mil pessoas.
Amandine Colin/MSF
Enfermeira dá analgésico para paciente de 12 anos que está em ala de isolamento por causa do vírus
“Devemos aprender das lições deste surto, desde a fraqueza dos sistemas de saúde nos países em desenvolvimento à paralisia e a lentidão da ajuda internacional”, criticou a MSF em um relatório divulgado hoje.
Os principais países afetados pelo surto foram Guiné, Serra Leoa e Libéria que ainda não se viram livres da doença. Na Guiné o número de pacientes voltou a aumentar, e em Serra Leoa foram registraram contágios de pessoas que não entraram em contato com doentes. A Libéria, em contagem regressiva para anunciar zero casos de contágio, continua em risco por conta de seus vizinhos.
“A epidemia de ebola foi um evento excepcional que expôs como ineficazes e lentos são os sistemas de saúde e de assistência na hora de responder a situações de emergência”, comentou a presidente internacional da MSF, Joanne Liu.
“Nos momentos mais virulentos, as equipes da MSF foram incapazes de admitir mais pacientes ou proporcionar o melhor atendimento possível”, lamentou Liu. “Isto foi muito doloroso para uma organização de voluntários médicos, o que produziu tensões no interior da MSF”, acrescentou.
Carlos Latuff/ Opera Mundi
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Resposta no início do surto
Entrevistado por Opera Mundi em abril passado, quando completara um mês de surto, o vice-diretor de operações da MSF (Médicos Sem Fronteiras), Mariano Lugli, explicou alguns motivos que explicam a particularidade desta epidemia.
O primeiro é a sua especificidade em nível geográfico. “Normalmente esse tipo de epidemia está circunscrito dentro de uma província ou de uma vila. Contudo, quando nós chegamos à Guiné, vimos que o vírus já tinha se espalhado até para outros países”, afirma
Outro motivo importante que explica a especificidade reside no fato de que ele é inédito na Guiné. Apesar de ser uma nação pequena, Lugli explica que o problema está na questão fronteiriça. “A epidemia começou nas redondezas de Guéckédou, na fronteira perto de Serra Leoa. O país não é grande, mas as pessoas se movimentam muito”, conta.
Joffrey Monnier/MSF
Epidemiologista da Médicos Sem Fronteiras explica para a população de Gbando o que é o ebola e como evitar a transmissão
Além disso, Lugli relatou que um dos principais dramas passados no início do surto foi a desconfiança dos habitantes com as ações de médicos e dos centros de saúde. “A região florestal do sudeste da Guiné é uma zona que historicamente tem uma relação difícil com a capital (Conacri) e as autoridades centrais”.
Somado a isso, o vice-diretor apontou que a tarefa de comunicação e de sensibilização dos habitantes torna-se mais desafiadora na medida em que eles têm uma “antropologia medicinal” própria para lidar com doenças. “Há uma forte medicina local tradicional e uma dinâmica cultural que não é fácil de compreender para conseguir passar nossas mensagens de modo rápido e eficiente”, diz.
O vírus em questão não tem cura ou vacina, tendo como tarefa médica primordial o alívio do sofrimento. Trata-se de uma doença grave cuja taxa de mortalidade pode chegar a 90%. Entre os sintomas, destacam-se febres altas, dores violentas, náuseas, vômitos e hemorragias. No entanto, as chances de sobrevivência dos pacientes aumentam se eles receberam cuidados adequados, incluindo hidratação constante e tratamento para infecções secundárias.
Segundo a OMS, este vírus está entre os mais contagiosos e mortais entre os humanos. Entre as principais vias de propagação, o ebola se transmite por contato direto com o sangue, os fluidos ou os tecidos dos indivíduos infectados. Nesse sentido, para evitar que haja contaminação, os familiares são impedidos de tocar os corpos dos falecidos.
Mariane Roccelo/ Opera Mundi
Apesar de pequena, Guiné teve grave epidemia, pois vírus se espalhou para a região da fronteira com Serra Leoa e Libéria