Efe
Tomislav Nicolic: de nacionalista radical de direita, para centrista entusiasta da adesão à União Europeia
A eleição do candidato populista Tomislav Nikolic para a presidência da Sérvia, no último domingo (20/5), pegou de surpresa boa parte dos analistas internacionais. A vitória do centrista Boris Tadic, que cumpriu dois mandatos presidenciais e antecipou a eleição para tentar um terceiro, era dada como praticamente certa. A apuração, porém, deu vitória ao oposicionista com pouco mais de 50% contra os quase 47% do ex-presidente.
A causa mais apontada para a virada inesperada foi a sensação de mesmice. Era a terceira vez seguida que Tadic e Nikolic se enfrentavam nas urnas, e as duas plataformas de campanha tinham mais semelhanças que distinções – meta de adesão à União Europeia, promessa de “parceria” com outros países (notavelmente, a Alemanha), combate ao desemprego e à corrupção, luta por garantias de direitos para a minoria sérvia no Kosovo. Na prática, nada muito diferente da eleição anterior.
Com tão pouca novidade, tão pequena perspectiva de mudança real, os eleitores não se viram empolgados nem por um lado, nem por outro. Os brancos e nulos somaram 3% – o que é menos da metade da proporção brasileira de 2010. Mas o índice de comparecimento às urnas de 46% refletiu o enfado com que o eleitorado encarou essa eleição. Num país onde o voto não é obrigatório, os sérvios simplesmente não se deram ao trabalho de ir às urnas.
O resultado é que um ex-nacionalista foi eleito e pôs de novo a Sérvia sob o olhar desconfiado das potências ocidentais, que há 20 anos atribuem ao país a pecha de enfant-terrible regional. Artigos alarmistas saíram na imprensa norte-americana e europeia, como um do New York Times que atribuindo a Nikolic a sugestão de transformar a Sérvia numa “província da Rússia”. Poucos, porém, pararam para examinar se o agora futuro presidente ainda é o mesmo porta-voz de posições delirantes da década passada.
Tomislav Nikolic veio do interior da Sérvia – quando a república era uma das seis que compunham a Iugoslávia – e começou a vida trabalhando como administrador de um cemitério público. Graças a isso, ganhou a alcunha de Toma Grobar (ou “Tom Coveiro”). Com formação em nível técnico, migrou para o setor de infraestrutura e foi um dos diretores da construção da ferrovia Belgrado-Bar, uma das maiores obras públicas da Iugoslávia de Tito. Da experiência, Nikolic tomou horror pelo método autogestionário socialista e, assim que a federação começou a se esfacelar, ingressou no movimento que reivindicava o legado dos tchetniks – guerrilheiros de direita que combateram os comunistas de Tito na Segunda Guerra e depois cometeram atrocidades contra croatas, muçulmanos e albaneses nas guerras dos anos 1990.
Rumo ao centro
Até 2008, quando sofreu sua última derrota eleitoral, ele era líder do Partido Radical Sérvio, fundado por ele e Vojislav Šešelj (criminoso de guerra preso em Haia desde 2003) para defender o ideário tchetnik. Sua plataforma era demagogicamente nacionalista (defesa retórica do Kosovo, mesmo sabendo que nada poderiam fazer na prática para recuperar a província) e eurocética, o que nunca lhe rendeu mais de 30% do eleitorado – uma barreira que certos políticos brasileiros também demoraram a romper.
Bruscamente, Nikolic rompeu com Šešelj, fundou um novo partido e passou a defender a integração da Sérvia à UE e privatizações, mas sem abrir mão do discurso irredentista sérvio no Kosovo, para não perder o voto das camadas mais conservadoras, principalmente nas zonas rurais. O resultado da manobra se viu no último domingo: um tchetnik “arrependido” foi alçado à presidência – algo antes temido dentro e fora dos Bálcãs.
Mas Nikolic hoje é uma figura complexa numa região acostumada a ser tratada por rótulos simplificadores. Num cenário em que líderes políticos recebem apelidos como “carniceiro”, seu diferencial é ter transitado sorrateiramente do nacionalismo extremista para o centrão populista. E esta passagem é o que o aproxima da maioria das lideranças vizinhas, também atraídas pelo ímã da moderação.
O marasmo na política sérvia não é uma exceção entre as antigas repúblicas constituintes da Iugoslávia. Está mais para regra. Na Croácia, segunda principal entre elas, o poder está alternado entre dois partidos centristas – o centro-direita HDZ, União Democrática Croata, e o centro-esquerda SDP, Partido Social-Democrata. Na Eslovênia, única até agora a entrar no bloco europeu, simplesmente todos os partidos com representação parlamentar trafegam no meio do espectro político, variando de um liberalismo conservador a um liberalismo ligeiramente atento a demandas sociais. Na Bósnia, o poder é dividido em linhas etnorreligiosas, não ideológicas, segundo a divisão imposta pelo Ocidente nos Acordos de Dayton (1995). Montenegro é comandada por uma máfia e o Kosovo continua um protetorado euro-americano onde só é eleito quem tem a bênção de Washington e Bruxelas.
Triste ironia
Apenas na Macedônia há algo que se aproxima de uma polarização, com o governo sendo alternado desde 1991 (ano de dissolução da Iugoslávia) entre o socialista SDSM, herdeiro da seção local do SKJ, o partido comunista iugoslavo, e o nacionalista-conservador VMRO. Mesmo assim, não ocorre, nos Bálcãs Ocidentais (jargão do Ocidente para designar o território da ex-Iugoslávia, menos Eslovênia e mais Albânia, que permanece uma “ilha” fora da UE), nenhum rissorgimento dos antigos PCs do Leste Europeu, como ocorreu na Moldávia, na Eslováquia e chegou a haver na Hungria. Nem há nenhum fenômeno genuinamente esquerdista como o do Syriza grego, embora, em vários aspectos, a Grécia seja uma referência cultural e política da região.
De forma geral, os partidos políticos dos países da ex-Iugoslávia gastaram tanto tempo, durante os anos 90 e os anos logo subsequentes, acusando-se mutuamente pelos papéis que tiveram durante o conflito (se foram mais ou menos patrióticos, se acobertaram criminosos de guerra, se negociaram com estrangeiros), bem como atribuindo a ele todos os problemas e mazelas que houvesse, como o alto desemprego e enormes déficits públicos. Depois, passaram a se pautar, quase em uníssono, pelo tema da entrada na UE, que faz exigências bastante ortodoxas para a adesão – a começar pela adoção “preventiva” das medidas de austeridade, em nome da “estabilização econômica”. Maquiavelicamente, o fim comum vem justificando os meios e pasteurizando a política regional, movendo todos os grandes partidos em direção a um consenso liberal.
O que é tristemente irônico neste cenário é que, se de fato toda essa “ilha balcânica” for absorvida pela União Europeia (o que ainda parece improvável para países de economia muito frágeis, como Macedônia e Albânia, ou mesmo na própria Sérvia), as fronteiras entre eles – que não existiam na Iugoslávia unida – tenderão a se permeabilizar e, com o tempo, desaparecer. Foram as mesmas fronteiras que tanto se lutou para afirmar e pelas quais os nacionalistas da época, como Nikolic, tanto derramaram sangue.
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